Carta do Editor - Nº 9

Luciano Figueiredo

  • Não é difícil associar nosso passado a um rio que corre suave em direção a um destino, quase sempre identificado com o momento em que vivemos. Suas águas calmas conduzem e amalgamam os acontecimentos históricos que confirmam os valores da comunidade que partilhamos.

    Este número da Revista de História quer desafiar essa idéia de que existe um tempo que caminha naturalmente rumo a um destino previsível. Não foi assim para aqueles que viveram de forma plena seu próprio tempo. Sujeitos desafiaram, com coragem e fortes convicções, a direção em que as águas corriam. O dossiê Marinheiros em armas! deste número evoca uma experiência de luta que tem os melhores ingredientes para uma boa história: uma cidade sob a mira de poderosos canhões, insubordinação de homens submetidos à violência extrema e a castigos inclementes. Os artigos revelam dimensões inéditas. Álvaro Pereira do Nascimento esgarça o aspecto pontual do movimento: a luta da marujada tinha mais ecos que o estalo da chibata em 1910. Hélio Leôncio Martins encontra as águas turvas em que a Marinha havia mergulhado ao entregar navios com a mais moderna tecnologia para marujos sem formação. A alma de João Cândido é descortinada por José Murilo de Carvalho, que interpreta os bordados que o líder da revolta deixou. Joseph Love folheia as manchetes dos grandes jornais do mundo diante da barbárie no Brasil.

    Nas outras páginas, outros sujeitos que mudaram o curso do rio. O padre Antônio Vieira, orador talentoso, cujos sermões corrigem condutas e cujas recomendações parecem definir os destinos do império. O combativo Hipólito da Costa, que fustiga as tiranias da Coroa portuguesa. Mesmo as fotografias de Sebastião Salgado, apresentadas aqui com a sensibilidade crítica de José de Souza Martins, renovam a missão do mestre-sala dos mares.

    Melhor assim. A história é mar furioso.