Cenário: sertão

Julio Bezerra

  • Entre montanhas, a centenas de quilômetros da capital, sem atrativos turísticos, com pouca infra-estrutura e apenas alguns milhares de habitantes. Monte Santo e Milagres tinham tudo para ser duas pequenas cidades esquecidas no sertão baiano. Mas ganharam o mundo.

    Há cerca de 45 anos, aqueles distantes povoados foram descobertos pelo então recém-nascido Cinema Novo. Veio deles a imagem do “sertão” eternizada nas retinas do Sul- Maravilha. Monte Santo foi palco de cenas importantes da obra-prima de Glauber Rocha, “Deus e o diabo na terra do sol” (1963), enquanto em Milagres foram filmados longas-metragens igualmente antológicos, como “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” (1968), também de Glauber, e “Os Fuzis” (1964), de Ruy Guerra.

    Entre julho e agosto deste ano, os moradores dessas pacatas cidades recordaram aqueles anos atípicos. Mas desta vez assumiram um novo papel: o de protagonistas de “Bahia distante”, documentário dirigido pelo francês Bertrand Ficamos. Apaixonado pelo cinema brasileiro, ele queria conhecer os locais onde foram filmadas aquelas obras-primas e procurar os vestígios que elas deixaram. “É uma abordagem pessoal. Descobri o Brasil estudando o Cinema Novo, e este documentário será a história do meu encontro com o sertão. Acredito que o olhar estrangeiro pode revelar coisas novas sobre aquela região”, explica o diretor. “Justamente por isso escolhi o título ‘Bahia distante’. É uma referência a um artigo do crítico e ensaísta Jean-Claude Bernardet publicado no Estado de S. Paulo no início dos anos 60”.

    Com a ajuda de um assistente brasileiro (Pedro Schprejer), Bertrand entrevistou mais de 50 pessoas e constatou que os filmes ainda estão muito presentes na memória dos antigos moradores. Alguns foram figurantes, outros participaram das equipes de filmagem desempenhando diversas funções; a maioria testemunhou as gravações de perto. “Bahia distante” virá recheado de “depoimentos sobre o misticismo, a miséria, o cangaço, o coronelismo, a ação social da Igreja, a prostituição infantil, o movimento de Canudos e as mutações econômicas e sociológicas da região”. Bertrand encontrou até testemunhas de episódios históricos, como um homem que dançou com Maria Bonita num baile em que Lampião obrigou tudo mundo a dançar pelado.

    “Bahia distante” se detém no Cinema Novo, mas a vocação cinematográfica das cidades sobreviveu ao movimento. Monte Santo foi cenário da minissérie “O pagador de promessas” (1988), de Dias Gomes, e Milagres abrigou as filmagens do premiado “Central do Brasil” (1998), de Walter Salles, entre outras produções.

    Ainda não há data prevista para sua volta às telas: o diretor francês está trabalhando por contra própria e “no seu ritmo”. A montagem está apenas começando. É esperar para ver que cara terá este novo – e ainda distante – sertão.