Liberdade de expressão. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, a legislação brasileira e quiçá a própria Bíblia a garantem. Mas essa garantia foi abalada quando a Bola de Neve Church de São Paulo moveu uma ação judicial para tentar impedir lançamento, publicação e circulação do livro A grande onda vai te pegar: Marketing, espetáculo e ciberespaço na Bola de Neve Church (Fonte Editorial), de Eduardo Maranhão Filho.
O trabalho foi escrito originariamente como sua dissertação de mestrado em História do Tempo Presente. “Certamente, não há nenhum problema em que uma instituição critique ou conteste um trabalho acadêmico. Mas não posso concordar com uma proibição ou censura”, declara o autor.
O caso começou no dia 28 de outubro de 2013, dois dias antes do lançamento do livro. “A ação pedia ainda que o evento de lançamento na USP fosse cancelado, que eu retirasse de circulação tudo o que já publiquei sobre a Igreja, de artigos em revistas a capítulos de livros, que eu nunca mais mencionasse o nome da mesma em trabalhos futuros, e uma multa caso eu tivesse lançado o livro”, explica o pesquisador. A ação foi negada por um juiz e, depois que a igreja entrou com um recurso, por um desembargador.
Segundo a advogada da Bola de Neve Church, Taís Amorim de Andrade Piccinini, a intenção foi proteger “a entidade religiosa, a liberdade religiosa e de culto, representada pela proteção do nome e da imagem da igreja e de suas práticas eclesiásticas”. “Sem termos acesso ao conteúdo completo do livro, pela sinopse, foi possível deduzir que o juízo de valor promovido pelo autor não condizia com a realidade da entidade, visto que apresenta a igreja como uma ‘agência mercadológica’ que usaria ferramentas de marketing para promover suas atividades e manter seus fiéis”, declara. Segundo a advogada, também há o receio de que membros da instituição confundam a publicação como da própria Igreja.
O trabalho de Maranhão Filho foi realizado a partir de pesquisa em unidades da Bola de Neve Church, especialmente a de Florianópolis – que o autor frequentou como membro entre 2005 e 2006 – e a de São Paulo. Quando convidado pela editora a publicar o livro, o autor tentou entrevistar o apóstolo Rinaldo Seixas, líder da unidade em São Paulo. Segundo o pesquisador, o primeiro pedido foi em agosto e, após várias tentativas, suas questões foram respondidas no dia 25 de outubro, após, portanto, o lançamento.
Para o historiador Eduardo Quadros, professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, a Bola de Neve Church se sente atingida pelas “explicações racionais de certas práticas cultivadas em seu meio”, como a incorporação de práticas de divulgação e expansão para chamar as pessoas para a entidade. “Igrejas são organizações sociais que refletem a cultura de seu tempo. As técnicas de divulgação de suas mensagens hoje podem ser chamadas de marketing, mas é bom lembrar que existiam bem antes do capitalismo atual”, explica Quadros. “A identificação desses processos é importante para que se reflita acerca das consequências geradas, reflexão que é relevante tanto para os próprios grupos religiosos quanto para a sociedade em geral”, conclui o historiador.
Censura em avalanche
Déborah Araujo