Chama o capitão-do-mato

  • Clique na imagem para amplia-laNo distrito de Ribeirão do Carmo havia muitos escravos fugidos. Andavam em grupos, roubando, escalando roças e assaltando passageiros nas estradas. O governador geral da capitania de Minas Gerais, D. José Luiz de Menezes Abranches Castelo Branco, deu o “remédio pronto”: escreveu ao capitão-mor Domingos Fernandes Pinto mandando prendê-los.

    O documento do século XVIII foi feito em letra humanística com tendência cursiva a corrente. É uma escrita de velocidade média, traçado homogêneo e peso médio, sem borrões ou rasuras, indicando que a pessoa que escreveu tinha algum grau de estudo.

    O módulo da letra é de pequeno para médio e mostra as mãos hábeis do escrivão. Há regularidade no padrão da escrita, respeito à pauta e às margens, e as letras com hastes superiores e inferiores com marcantes rebuscamentos, tanto nas maiúsculas como nas minúsculas. Os traços dificilmente avançam os limites da pauta posterior. Porém, o ângulo da letra é dextrogiro, ou seja, inclinado para a direita, e sendo o seu traçado mais livre, a escrita oferece certa dificuldade na leitura.

    O documento não apresenta alguns acentos, como nos casos de “remedio", “consequencia”, “diligencia” e “possivel” Mas isto pode ser característica da época. O autor faz uso das letras dobradas ss, rr, tt e ll nas palavras “rossa”, “encarregado”, “dittos”, “della”. Opta por am em vez do ditongo ão, ou o contrário, como em “andavão”, “capitam”, “partirão”. Utiliza o y no lugar do i nas palavras “Ribeyrão” e “Mayor”, assim como recorre a uma apócope – supressão de letra(s) – ao final de vocábulos, caso de “Rui’s” e “hú”.

    Há uso excessivo de abreviaturas de vários tipos, por hábito, convenção ou para imprimir maior velocidade ao texto, dada a sua recorrência e previsibilidade. Exemplos disso são “Porqto, “prezte” e “passagros”.

    O manuscrito, em bom estado de conservação, pertence ao Arquivo Público Mineiro e é parte de um conjunto de códices da Secretaria de Governo da Capitania. A dimensão do fólio é de 300 por 210 mm. Nos aspectos materiais, usou-se o papel de trapo, fabricado com fibras de tecidos velhos. E, para escrever, pena de ave com tinta ferrogálica negra, mas oxidada em cor sépia.

    Sônia Maria Gonçalvesé paleógrafa e funcionária do Arquivo Público Mineiro.

    Ameaça negra

    Esconderijos de escravos fugidos, os quilombos eram uma maneira comum de luta contra a escravidão. Representavam formas coletivas de resistência e de afirmação de uma comunidade unida pela cor e pelo sofrimento. Muitas vezes não eram premeditados: nasciam espontaneamente, reunindo negros e crioulos, escravos ou homens livres.

    Na sociedade escravocrata do Brasil, foi criado o posto de Capitão-do-Mato – ou Capitão-de-entrada-e-assalto – originalmente um empregado público da última categoria encarregado de reprimir os pequenos delitos no campo. A instituição, porém, foi disseminada por toda a colônia como milícia especializada na caça de escravos fugidos e na destruição de quilombos. 

    Solução do “Decifre”

    SC- 07, folha 50v

    Ordem para o Capitam Môr do Ribeyrão Domingos Fernandez / Pinto fazer prender muitos escravos fugidos, que andão rou/bando e escalando rossas.

                Por quando se me fez prezente que no destricto do Ribeyrão do Carmo andavão / muitos escravos fugidos juntos, roubando, escalando rossas, e assalteando / os passageyros nas estradas, o que carece de remedio prompto pelas rui’s con/sequencias, que se podem seguir; ordena o Capitam Mayor do dito destricto / Domingos Fernandez Pinto, que mande logo por prompto hû cabo experto com a / gente que lhe parecer bastante, a qual, armada e o ditto cabo partirão a / fazer a diligencia de prender todos os dittos escravos; e quando estes tenhão ar/mas, e rezistão, a todo o risco e a seu salvo e dos seus soldados, lhes / fará o dano possivel, para melhor serem presos debaixo das armas, / e dos que trouxer se pagarão os gastos desta diligencia, e se farão / os precizos á custa della, e a mais despezas, que me parecer [alvidrar] / para os soldados e Cabos que for a esta diligencia; ao qual por esta / minha ordem a hey por muito encarregada; e os seus soldados lhe obedecerão em tudo o que mais conveniente se fizer ao bem des/ta ditta diligencia. Cahete, 21 de Janeiro de 1711. Com rubrica do Governador / Geral. /

    Transcrição com a grafia atualizada

    SC- 07, folha 50v

    Ordem para o Capitão-Mor do Ribeirão Domingos FernandesPinto fazer prender muitos escravos fugidos, que andam roubando e escalando roças.

                Porquanto,se me fez presente que no distrito do Ribeirão do Carmo andavam muitos escravos fugidos juntos, roubando, escalando roças, e assalteando os passageiros nas estradas, o que carece de remédio pronto pelas ruins consequências, que se podem seguir; ordena o CapitãoMaior do dito distrito Domingos Fernandes Pinto, que mande logo por pronto umCabo esperto com a gente que lhe parecer bastante, a qual, armada e o dito cabo partirão a fazer a diligência de prender todos os ditos escravos; e quando estes tenhamarmas, e resistam, a todo o risco e a seu salvo e dos seus soldados, lhes fará o dano possível, para melhor serem presos debaixo das armas, e dos que trouxer se pagarão os gastos desta diligência, e se farão os precisos àcusta dela, e a mais despesa, que me parecer [alvidrar] para os Soldados e Cabos que forema esta diligencia; ao qual por esta minha ordem a hei por muito encarregada; e os seus soldados lhe obedecerão em tudo o que mais conveniente se fizer ao bem desta dita diligência. Caeté, 21 de Janeiro de 1711. Com rubrica do Governador Geral.