Cinemão é isso aqui

Angélica Fontella

  • Toda a trilha sonora do média-metragem é de autoria do Sr. Teodorico, locutor experiente da rádio comunitária. (Imagem: Divulgação)O que um veículo, um projetor e uma tela inflável de 12m x 9m podem fazer por uma região raramente (ou negativamente) lembrada pelo imaginário popular? No mínimo, contrapor-se à ocupação do veículo militar “caveirão”. Assim nasceu o Cinemão, projeto idealizado por Cid Augusto e inaugurado em 2010 no Complexo do Alemão, maior conjunto de favelas do Rio. A princípio o objetivo era apenas exibir filmes em comunidades, mas em pouco tempo o projeto incorporou todas as etapas da cadeia produtiva necessária para uma produção cinematográfica. Um dos resultados é o filme Reta João XXIII, lançado no dia 25 de outubro.

    O filme reúne nove narrativas vinculadas de alguma forma à Avenida João XXIII (chamada de “Reta” pelos moradores), que cruza o bairro de Santa Cruz, na zona oeste carioca. O que une as pequenas histórias é a voz simpática do Sr. Teodorico, locutor da rádio comunitária do Conjunto Liberdade, onde foi exibida a primeira sessão do filme. “É um momento muito especial quando vamos exibir, sobretudo algo que fizemos para e com aquela comunidade”, conta Cid Augusto, que dirigiu o média-metragem junto com Alberto Bellezia. Na plateia havia cerca de 300 pessoas. O cineasta conta que a ideia de fazer o filme nasceu quando o projeto realizou sua primeira oficina de cinema na região (em parceria com a Universidade Federal Fluminense) e exibiu um curta produzido pelos alunos em março passado.

    As histórias de Reta João XXIII circulam entre o cotidiano e a memória do bairro, apresentando a cooperativa de costureiras Costurarte, a centenária colônia agrícola japonesa, os pescadores da baía de Sepetiba e o Colégio Estadual Erich Heine, primeira escola da América Latina a receber o certificado ecológico internacional LEED (Leadership in Energy and Environmental Design). A escola “verde” é apresentada pelo aluno Henrique, de 18 anos, que percorre o prédio mostrando iniciativas sustentáveis, como o telhado verde e a filtragem da água da chuva para resfriar o ambiente.

    Em quatro anos, o Cinemão promoveu mais de 50 sessões gratuitas de cinema, alcançando um público de mais de 16 mil pessoas. Hoje, tem duas sedes e conta até com um aplicativo para celular com o mesmo nome. “O programa faz vídeos a partir de fotos salvas no aparelho e constrói narrativas. A ideia é incentivar o desenvolvimento de narrativas populares”, explica Cid Augusto.

    Para Ivana Bentes, professora da Escola de Comunicação Social da UFRJ, iniciativas como essa são importantes por criar um espaço de linguagem e de expressão em regiões fora do eixo das grandes capitais. “Além de contrapor as narrativas geralmente associadas à carência e à violência, entram na disputa do imaginário de Rio de Janeiro”, defende. Segundo ela, o que dá visibilidade ao lugar é construir narrativas dentro dele, a partir dele. “Os lugares são ‘invisíveis’, mas não porque faltam pessoas interessantes ou histórias interessantes”, explica. A coleção de histórias apresentada pelo Cinemão vem justamente provar isso. Agora, o projeto está coproduzindo o documentário Eleven, sobre o efeito do futebol na vida de 11 crianças de 11 países diferentes, a ser lançado em 2015.

    (Imagem: Divulgação)