Com a palavra, a Maré

Déborah Araujo e Angélica Fontella

  • Morro do Timbau, mais antiga comunidade da Maré – do tupi, thybau significa “entre águas”. Tema de livro, história de moradores do Parque Proletário da Maré ganha espaço na publicação. (Foto: Divulgação / Redes da Maré / Rosilene Miliotti)“Eu nasci no ano de 1944, fui pra Praia de Inhaúma com quatro anos. Lá eu fui crescendo, fui crescendo, meu pai era pescador. Com 14 anos, eu saí para pescar e aprendi a trabalhar em traineira. Ali por trás da Nova Holanda, ali dava muita tainha no meu tempo. Quando eu era garoto, já existiam moradores na Baixa do Sapateiro, mas não muito, muito pouco, e tinha pescador lá também. Eu via as palafitas serem construídas aqui na Maré, mas naquela época era areia, agora é lama. Eu sabia que ia acontecer isso, o progresso ia chegando, rapaz! E o progresso atrasou tudo no que você imaginar: a violência aumentou, a poluição no mar e outras coisas que você tá vendo aí que não precisa falar, entendeu?”

    É assim que Seu Expedito C. da Silva descreve parte da história do maior conjunto de favelas da cidade do Rio de Janeiro, a Maré. O depoimento completo do antigo residente do Morro do Timbau – uma das comunidades do complexo que fica na zona norte da cidade – está publicado no livro Memória e Identidade dos Moradores do Morro do Timbau e do Parque Proletário da Maré, lançado em maio deste ano. O livro é o segundo da série “Tecendo Redes de Histórias da Maré”, que pretende narrar as trajetórias das 16 comunidades do bairro.

    A coleta de dados e entrevistas, para o livro, durou cerca de um ano e ficou a cargo do Núcleo de Memória e Identidade (Numim), da ONG Redes de Desenvolvimento da Maré. Edson Diniz, um dos diretores da Redes e fundador do Numim, comemorou a possibilidade de resgatar a memória da região, contando “essa história por dentro” da Maré, afirma. “O livro materializa o sonho de preservar essas histórias, e de trazer à discussão a importância de contar e conhecer essa parte da história do Rio de Janeiro”, ressalta o diretor.

    (Foto: Divulgação / Redes da Maré / Rosilene Miliotti)O diferencial do trabalho é o ponto de vista, os envolvidos no projeto são ou foram moradores do bairro: “todo mundo que fez a pesquisa é morador da Maré”, lembra Edson Diniz. O professor de história da UFF e diretor geral do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Paulo Knauss – prefaciador da publicação deste ano – lembrou à Revista de História que “o lugar social da pesquisa histórica demarca a particularidade do olhar sobre a história da cidade”.

    Tomando essa iniciativa por base, o professor Paulo Knauss – que já acompanhava o trabalho da ONG na Maré – destaca a mudança nas possibilidades da pesquisa histórica no Brasil: “o perfil dos profissionais de história e os espaços de inserção social de conhecimento histórico têm se multiplicado”. E, com essa mudança, fica clara a relevância do projeto: “trata-se de um produto de pesquisa com um objetivo que, além da contribuição acadêmica, procura ter repercussão social na cidade, legitimando comunidades urbanas”, conclui.

    Os livros da série estão disponíveis para download gratuitamente na página da ONG Redes de Desenvolvimento da Maré: http://redesdamare.org.br/.