Conflitos do passado, lutas do presente

Fernanda Távora

  • Com imagens de arquivo e gravações feitas pelo cineasta Vincent Carelli Martírio mostra alguns dos rituais dos índios guaranis-kaiowás. Acima, Carelli conversa com os índios sobre as últimas notícias das disputas de terra. (Divulgação)Quando o governo federal começou a demarcar territórios indígenas no Mato Grosso do Sul, a partir da década de 1980, uma série de conflitos violentos começou a ocorrer no estado. De um lado, estão os fazendeiros e posseiros de terra, de outro, índios em defesa de suas reservas. O povo guarani-kaiowá, natural da região Centro-Oeste também está nessa batalha. Nos últimos anos, o cineasta Vincent Carelli registrou o cotidiano do grupo, captando os rituais presentes naquela cultura. O resultado será o lançamento, no próximo semestre, de seu documentário Martírio, produzido em conjunto com o projeto “Vídeo nas aldeias”, trazendo à tona também o engajamento político dos índios.

    “Vamos mostrar o contraste da riqueza com a situação das aldeias que é a coisa mais chocante que tem na região. A demonstração de opulência frente à miséria e exclusão dos índios”, destaca Carelli, enfatizando a intenção de trazer às telas as diferentes visões de mundo das partes envolvidas no conflito. As filmagens chegaram a ficar paradas por mais de uma década, mas quando o cineasta soube que a tribo do Amambaí vinha sofrendo ataques em 2011 – que resultaram, inclusive, na morte do cacique Nísio Gomes – resolveu voltar à ação.  No ano seguinte, conseguiu R$ 80 mil de financiamento coletivo pela internet e iniciou a produção do filme.  Martírio será levado para festivais, mas a intenção é que ele seja divulgado também na web. “Vejo o documentário mais como uma contribuição política do que algo comercial”, conclui Carelli.

    Para Tonico Benites, antropólogo do Museu Nacional e guarani-kaiowá, iniciativas como Martírio são  desconstruções das formas de se divulgar e classificar as histórias das lutas dos povos indígenas passadas de forma distorcida. “Martírio visa contrapor diversos artigos de jornalistas e de advogados que representam, na grande mídia, somente a história, luta e os pontos de vistas dos fazendeiros e políticos anti-indígenas”, afirma.

    Benites relata ainda que o conflito entre posseiros, fazendeiros e índios que vivem em região de fronteira de territórios é constante. “No estado de Mato Grosso do Sul há o encurralamento de várias comunidades indígenas em pequeno espaço de terras onde sofrem com a miséria, fome, a discriminação, o racismo e ameaça de morte”, relata Benites.

    O antropólogo acrescenta ainda que “o governo federal tem uma posição confusa em relação à demarcação das terras indígenas”. Uma prova disso é que no início desse ano, os kaiowás receberam a ordem de despejo da terra Apyka’i, localizada na margem da BR-463, que tradicionalmente sempre foi reivindicada pelos índios e que ainda está em processo de identificação e delimitação pela Funai, na mesma região.