Uma escola pública, uma rua, um busto e até um título honorífico, criado pela Câmara Municipal, homenageiam o marinheiro João Cândido Felisberto (1880-1969) em São João de Meriti, Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Apesar de tantas menções, pouca gente ali sabe que ele foi o principal rosto da Revolta da Chibata (1910) e morou na cidade nas últimas décadas de sua vida. Em 2012, uma nova homenagem poderá mudar esta situação. A história do marinheiro conhecido como Almirante Negro será contada em um museu que começará a ser construído ainda neste semestre. A ideia agrada aos pesquisadores do tema, mas também traz algum receio: aparentemente, há pouco acervo para um empreendimento orçado em mais de quatro milhões de reais.
A revolta que envolveu mais de dois mil marujos em 1910 tinha o objetivo de acabar com os castigos corporais na Marinha de Guerra. Eles tomaram navios e entraram em confronto com oficiais. Depois de seis dias, o governo aceitou o fim das punições físicas, mas muitos marujos foram encarcerados, mortos ou expulsos da corporação. “O próprio João Cândido foi preso, torturado e perseguido até o fim da vida. A Marinha não reconhece a existência dele. Repudiou publicamente, em 2008, a anistia concedida por Lula e o monumento erguido na Praça XV, no Rio”, conta o historiador Marco Morel, professor da Uerj.
Segundo a Superintendência de Museus da Secretaria de Estado de Cultura, que está dando assessoria técnica ao projeto, a prefeitura de Meriti já fez um levantamento do possível acervo. Os objetos serão procurados em institutos de pesquisa, na Marinha e, principalmente, com a família de João Cândido. No entanto, segundo Álvaro Pereira do Nascimento, historiador da UFRJ e autor de Cidadania, cor e disciplina na Revolta dos Marinheiros de 1910, a família só tem alguns livros, medalhas e fotos já conhecidas. “Até onde sei, a família não tem nenhuma carta ou documento da época. E a Marinha não vai ceder nem um projétil. O mais viável seria uma exposição menor. Um museu desse naipe parece mais jogada de marketing político”, diz.
Outro problema apontado é que o museu não pretende contratar um especialista ou curador responsável pela exposição. “A ideia é importante, mas teria que ser mais bem apresentada à sociedade, para lançar luzes sobre aquele período e a situação em que viviam os pobres, especialmente os negros após a Abolição. Eles podem cometer sérios erros se não falarem com alguém que conheça o assunto”, afirma João Batista Damasceno, cientista social e pesquisador da Revolta.
O secretário municipal de Assuntos Institucionais, Luiz Brinate, reconhece a dificuldade de reunir o acervo. “Tem pouca coisa do João Cândido. Mas criamos a comissão de implementação do museu há pouco tempo. Estamos enfrentando esse problema com a ajuda de algumas instituições e, apesar de sabermos da resistência da Marinha, vamos tentar com ela também”, diz. Apesar das dificuldades, há boas notícias. O museu vai contar a história de Meriti e terá espaço para outras exposições, biblioteca, videoteca, salas para cursos artesanais e um palco para apresentações. Tudo isso ficará no alto do Morro do Embaixador, área pobre que deverá ser urbanizada, receber iluminação e saneamento. O problema é que, segundo Brinate, os quatro milhões não serão suficientes para todas as mudanças na região.
Controvérsias do Almirante Negro
Cristina Romanelli