Correspondências amazônicas

Alice Melo

  • Desde a ocupação lusitana da região Norte do país no século XVI até o desmembramento do estado do Grão-Pará em Amazonas, Maranhão e Pará, já no tempo do Império, foram mais de 200 anos de disputas. Ao longo das décadas, funcionários do governo registraram em autos, memorandos e correspondências o crescimento das cidades e seus conflitos. Tudo isso foi sendo conservado ao longo dos anos, formando um grande acervo hoje chamado de fundo “Secretaria de Governo da Capitania”, armazenado no Arquivo Público do Estado do Pará (Apep).

    A coleção, que abrange o período entre 1649 e 1823, é a maior do país sobre a Amazônia colonial e, a partir deste mês, será tratada e digitalizada. A iniciativa faz parte de um projeto desenvolvido em Belém com verba de R$ 1 milhão do BNDES e que, além do cuidado com a coleção histórica, prevê apoio e capacitação de funcionários de arquivos de outros estados da Amazônia Legal.

    “A Amazônia quase não ganha verba para projetos de conservação de acervos”, observa Ethel Soares, coordenadora da iniciativa. “Nosso maior problema é a geografia. Somos separados por grandes distâncias, às vezes fluviais, o que dificulta a troca de experiências. Primeiro, pensamos em cuidar do nosso acervo e, com esse conhecimento, ajudar outros estados”. Segundo a restauradora, a equipe do Apep visitará instituições do Mato Grosso, Amazonas, Acre e Amapá para verificar as condições das instituições. Ao mesmo tempo, membros destes arquivos irão a Belém para um curso de quatro meses com parceria do Senai, a fim de qualificar a mão de obra para trabalho com documentação histórica.

    O Amapá é o estado que mais precisa de ajuda. Até hoje ele não conta com um arquivo público e os documentos produzidos pelos braços do governo ficam armazenados nas próprias secretarias, sem seguir as recomendações do Conselho Nacional de Arquivos (Conarq). Recentemente, um passo foi dado para se criar um arquivo: o Museu Histórico de Macapá recebeu documentação oriunda das pastas estaduais, mas não foi feito um levantamento deste material. Segundo a coordenação do museu, não há um calendário de ação ou verba definida para que o projeto saia do papel. No momento, o governo ainda procura um prédio para receber a instituição e enviará um funcionário para o curso de capacitação em Belém.

    Após a conclusão do projeto, o Apep pretende criar uma plataforma online integrada às demais instituições da região. O historiador Fabiano Vilaça, professor da Uerj e estudioso de conflitos coloniais no Grão-Pará, aprova a ideia: “Este arquivo é referência na pesquisa sobre a Amazônia Colonial. O projeto conservará as fontes, seguindo uma medida de facilitação do acesso à documentação”. (Alice Melo)