Criações protegidas

Cristina Romanelli

  • Quem entra no elevador do Palácio Gustavo Capanema, no Centro do Rio de Janeiro, certamente vai ver alguém indo para o 12º andar. Seja um artista plástico ou um homem fantasiado de índio, com tanga e cocar. Ali fica o Escritório de Direitos Autorais (EDA) da Biblioteca Nacional, que recebe mais de cem pessoas por dia. Todas querem registrar suas criações, que vão de poesias e desenhos a uma mensagem psicografada de um extraterrestre. Com tanta procura, o EDA atingiu no mês de junho a marca de 500 mil obras intelectuais registradas desde 1989.

    Todos os trabalhos apresentados são analisados pela equipe do escritório. “Temos que ver se a documentação está correta e se é realmente uma criação intelectual”, afirma o responsável técnico Jaury de Oliveira. O conceito de obra intelectual abrange composições musicais, desenhos, textos literários, esculturas, programas de computador, projetos de engenharia, fotografias e uma série de outros itens. Todo mês, cerca de três mil obras são aprovadas, mas algumas acabam não passando pelo pente-fino: esquemas, planos ou regras para jogos, por exemplo, não entram. “Todo mês alguém aparece aqui com um método matemático para ganhar na loteria”, conta Oliveira.

    Apesar de alguns personagens inusitados, a maioria das pessoas que passa pelo EDA é bem comum. Garis, garçons, empregadas domésticas e lavradores do interior fazem questão de garantir a autoria de suas criações. “São pessoas mais simples que fazem a maioria dos registros hoje. Fazem por desconhecimento da lei ou por excesso de zelo, porque desde 1916 ele não é mais necessário. O direito nasce no momento em que se cria a obra”, explica Oliveira. De acordo com a Lei 9.610, de 1998, qualquer pessoa que more no Brasil tem os direitos morais e patrimoniais sobre suas obras protegidos, mesmo que não tenha feito o registro. O autor é o único que pode editar, adaptar, traduzir ou reproduzir a obra.

    Para o responsável técnico, há outros fatores que fizeram com que o número de registros passasse de cerca de 95 mil em 1995 para meio milhão este ano. “Com tantas pessoas aparecendo na mídia porque roubaram ou cometeram fraude, a população percebeu que pode ser enganada e resolveu garantir seus direitos. É simples ganhar um processo na Justiça de alguém que copiou um trabalho”, diz. Além disso, ele acredita que há uma tradição no processo de registro. “As pessoas se acostumaram a fazer isso. Ter um órgão público confirmando a autoria dá mais credibilidade”, explica.

    O primeiro registro feito no EDA foi o livro Lithographia e Chromolithographia, de León de Rennes, em 1989. Poucas páginas depois aparecem obras de Aluízio Azevedo, como O Cortiço, e de Machado de Assis, como Quincas Borba. “Esses registros foram feitos depois da publicação. O raro são aqueles feitos antes da divulgação do material, como o samba “Pelo Telefone”, do Donga. Fora isso, ainda há aqui fotografias do Marc Ferrez e algumas coisas mais excêntricas, como o desenho de um carro funerário, de 1902”, conta Gustavo Caruso, bibliotecário do EDA.