Curitiba cultural

  • Quando os artistas chegavam a Curitiba, o telefone de Aramis Millarch não parava. Renomado jornalista cultural do Paraná, era ele quem ciceroneava os músicos que aportavam por aquelas bandas. “Ele tinha o apelido de relações-públicas de Curitiba”, conta o filho, Francisco Millarch. A acolhida resultou em mais de 700 horas de entrevistas gravadas com gente como Cartola, Pixinguinha e Elis Regina. Digitalizadas pelo projeto Tabloide Digital, as conversas viraram uma caixa com oito DVDs que começa a chegar a 450 bibliotecas públicas do país.

    “Conseguimos digitalizar quatro mil fitas, que estão também no site (www.millarch.org). Muitas são entrevistas exclusivas”, informa Francisco. “Como a última que Maysa concedeu à imprensa, um mês antes de morrer”.

    Pesquisador incansável da música brasileira, Millarch não desgrudou de seus livros e gravadores até morrer, em 1992. Os bate-papos podiam ocorrer tanto em teatros, bares e restaurantes como em sua própria casa, para onde volta e meia levava um nome da MPB para jantar ou bebericar alguma coisa. “De vez em quando aparecia alguém lá em casa, e eles varavam a noite conversando. Lembro do Vinicius (de Moraes) e do Toquinho cantando de madrugada na sala”, recorda Francisco.

    Apesar de não viver no caldeirão cultural do Sudeste, Millarch tinha uma vida um tanto agitada. Além de escrever para dezenas de jornais – o Tabloide Digital já digitalizou 13 mil dos 50 mil artigos reunidos – e manter um programa de rádio, ele estava sempre viajando para festivais de música e de cinema. Fundou a Associação dos Pesquisadores da Música Popular Brasileira e organizou uma série de eventos para discutir o assunto.

    Foi num desses encontros que o também jornalista e produtor musical Zuza Homem de Mello cruzou com ele. Os dois se tornaram grandes amigos e sempre se esbarravam em eventos culturais. “Ele não parava, chegava a ser desmedidamente ativo. Aramis foi montando um painel riquíssimo de entrevistas, que eram até mais interessantes que as feitas no Sudeste: ele deixava seus entrevistados muito à vontade”, diz Zuza.

    Transitando com prestígio entre a classe artística, o jornalista promoveu encontros – como o da família Caymmi – e incluiu sua cidade de origem no estreito circuito cultural brasileiro. O fato não passou despercebido.

    “Aramis era um doce inventor de utopias. Escancarava as portas de sua Curitiba, dela sempre foi o maior anfitrião e o melhor animador cultural. Por ela fazia estrelejar as noites, para que melhor acolhessem o poeta Vinicius, a turbulenta Elis e todo e qualquer artista que à cidade aportasse”, escreveu o compositor e poeta Hermínio Bello de Carvalho. Mais um na lista de grandes amigos de Aramis.