Da fama à insanidade

Cristina Romanelli

  • Rodrigo Santoro interpreta o jogador HelenoBonito como Kaká, bom de bola como Neymar, temperamental como Edmundo e sempre ditando moda como David Beckham. Assim o jogador de futebol Heleno de Freitas (1920-1959) é visto pelo jornalista Marcos Eduardo Neves, autor de Nunca houve um homem como Heleno (Ediouro, 2006). A descrição se encaixa bem à realidade. Rico, bonito e elegante, Heleno chamava a atenção pelo sucesso com as mulheres, pela habilidade no futebol e pela personalidade intempestiva. Certa vez abandonou uma partida aos 18 segundos, em outra ocasião arriou o calção e mostrou a genitália quando se irritou com o público, e já foi até retirado de campo pela polícia. A vida de excessos, encurtada por uma sífilis mal curada que afetou seu cérebro, chega aos cinemas no dia 23 deste mês no filme “Heleno”, de José Henrique Fonseca, com Rodrigo Santoro no papel principal.

    “Heleno começou a jogar futebol de praia aos 13 anos. Dali foi para o Botafogo, onde fez fama de 1939 a 1948. Ele era mais forte que o Botafogo, virou o grande ídolo do time. Mas acabou sendo vendido para o Boca Juniors, da Argentina. Era tão encrenqueiro que só ficou por lá em 1948”, conta Neves. Heleno ainda teve rápidas passagens pelo Vasco e pelo Atlético Júnior, na Colômbia, mas sua última partida foi pelo América, em 1951. “Foi a única partida pelo time. Quando entrou no Maracanã, ficou parado admirando a grandeza do estádio, enquanto o jogo rolava. A sífilis já havia afetado o cérebro dele. E ainda foi expulso porque brigou com um dos colegas”, diz o jornalista.

    A trajetória conturbada contrasta com o ritmo lento do filme, que tenta criar alguma dinâmica revezando o auge da carreira de Heleno, nos anos 1940, com a internação em um hospital psiquiátrico em Barbacena, Minas Gerais, a partir de 1954. Foi lá que Heleno passou os últimos anos de vida. Antes de ser internado, morou com parentes e ficou em casas de saúde, mas a experiência não deu certo. “Uma vez em que teve alta, ele foi para o Rio e quis voltar para o Botafogo. Como não deixaram, ele tentou se eletrocutar. Tive acesso aos prontuários dele no hospital psiquiátrico. Ele perdeu a cabeça, virou quase um dejeto humano”, afirma Neves.

    Quem espera ver o auge de Heleno no Botafogo se decepcionará com a ausência de filmes da época, que são quase inexistentes. “No ArquivoGeneraldelaNación, em Buenos Aires, tinha alguns filmes de partidas dele pelo Boca. Mas no Brasil só achei um take rápido. Existem muito mais filmes de futebol dos anos 1940 e 1950 na Argentina do que aqui. No Brasil, muita coisa se perdeu”, conta Antônio Venâncio, responsável pela pesquisa do filme.

    Não é difícil perceber que a história de Heleno é um roteiro e tanto. O filme não faz o proveito esperado, mas tampouco deixa de cumprir seu papel ao narrar, pela primeira vez nas telonas, a trajetória de um dos maiores ídolos do futebol nacional.