Nos anos 1950, as emissoras Tupi e Excelsior disputavam cada ponto de audiência do incipiente mercado televisivo brasileiro. Sem muita técnica e com criatividade de sobra, os produtores se empenhavam para levar adiante shows de calouros e teleteatros com ênfase no grotesco. Mas, em 1968, a novelaBeto Rockfeller surgiu como um divisor de águas da teledramaturgia, inovando no formato e na linguagem, além de ter lançado um mocinho que derretia os corações das meninas: Luis Gustavo. Mas pouco dessa novela foi preservado ao longo dos anos, assim como o conjunto do acervo da TV Tupi. Hoje, as 4 mil horas de vídeo que resistiram ao tempo estão sob guarda da Cinemateca Brasileira que, em parceria com a USP e financiamento da Fapesp, tratou e digitalizou 4% do arquivo. Agora, esta parcela está disponível ao público.
Esther Hambuger, professora da Escola de Comunicação e Artes da USP e coordenadora do projeto, diz que o material está disponível no Banco de Conteúdos Culturais da Cinemateca e comenta que o projeto demorou quatro anos para ser concluído. “Foi um processo bem longo: demoramos muito para conseguir o equipamento necessário para a digitalização”. A professora conta que o material estava armazenado em quadruplex, um formato anterior ao VHS, e foi necessária a aquisição de uma ilha de edição capaz de ler e converter o formato. “Algumas emissoras ainda têm essas ilhas, mas usam para seus próprios fins. Por isso, a Fapesp estendeu a pesquisa por mais um ano”.
Nesse período, organizou-se o projeto em três fases: telejornais, novelas e roteiros de reportagem original. Depois, foi necessário um período para deixar a mídia original em boas condições para que não se deteriorasse. Fabio Kawano, coordenador do Setor de Digitalização da Cinemateca, diz que projetos como este são importantes para a história da TV brasileira, mas lamenta que sejam custosos. “É uma preocupação nossa, e o processamento desse material poderia vir a se tornar uma atividade corrente. Muitas vezes não temos como bancar isso e alguns projetos e parcerias nos ajudam a focar melhor em uma parte do acervo que tem mais necessidade de preservação”.
A falta de investimento gera outro problema: a dificuldade de se pesquisar o tema. Igor Sacramento, professor da Escola de Comunicação da UFRJ, diz que não há políticas públicas que facilitem o acesso a acervos particulares da mídia televisiva: as emissoras (ou quem detém a guarda do material) têm total controle sobre aquilo que foi produzido. “A legislação atual é restrita e ignora o vasto campo do audiovisual e, especialmente, a produção do principal meio de comunicação do país”. Segundo Sacramento “o caráter comercial do surgimento e da estruturação da TV no Brasil, o predomínio da noção de documento histórico como o registro da palavra escrita e impressa, e o elitismo que ignora a TV como um legítimo objeto de reflexão” são alguns dos fatores que permitem que isso ocorra.
Dá o replay!
Fernanda Távora