Em um acervo tão grande como o da Biblioteca Nacional, verdadeiras pérolas podem passar despercebidas. Até que uma coincidência as salva do esquecimento. É o caso das “descobertas” feitas por Fernando Amaro e Thais de Almeida, técnicos do Laboratório de Restauração.
“Nós queríamos apresentar um trabalho no congresso da Abracor [Associação Brasileira de Conservadores e Restauradores de Bens Culturais], que acontecerá em abril do ano que vem, e decidimos nos dedicar aos manuscritos com selo pendente da BN”, conta Thais. O selo pendente é uma espécie de medalha, geralmente feita de chumbo ou cera, anexada ao documento por uma corda, para garantir a veracidade de documentos importantes. “É daí que vem a expressão ‘bula papal’, pois bula quer dizer bola em latim, uma referência ao seu formato”, explica Ana Merege, funcionária da Divisão de Manuscritos.
Pois analisando os mais de 20 documentos com selo pendente pertencentes à Biblioteca, eles encontraram justamente quatro bulas papais, de Paulo V (1616), Gregório XV (1622), Inocêncio X (1650) e Alexandre VII (1661). Além delas, incluíram em seu projeto de restauração outros dois documentos raros: uma executória do rei Carlos de Castela (de 1546) e uma carta de sentença do rei D. João I em favor de Gonçalo Soares Coutinho, ordenando o pagamento de uma herança. Este último é o manuscrito mais antigo do conjunto, datado de 1431.
O trabalho de recuperação e acondicionamento do material levou cerca de três meses e foi concluído recentemente. Fernando detalha o processo: “Primeiro trabalhamos na limpeza dos pergaminhos e dos selos, que estavam bem sujos. Em seguida, usamos uma câmara de umidificação para acabar com as dobras, o que chamamos de planificação. Por último, criamos um novo tipo de compartimento para acondicioná-los”.
Enquanto as bulas papais seguem uma padronização, os documentos de Carlos V e D. João I são únicos. No caso do rei espanhol, o pergaminho é encadernado como um livro. Adornando as páginas, iluminuras conferem uma beleza única à executória. Seu selo pendente, feito de chumbo, é bem maior que os demais. E motivo de dor de cabeça para a equipe de restauração. Devido a um processo de corrosão, o metal está se desfazendo. “Entramos em contato com um pesquisador da Coppe/UFRJ, e com o auxílio dele estamos procurando uma maneira de estabilizar o processo”, diz Thais.
Ela pesquisou as referências históricas dos artefatos, mas um enigma permanece: o significado de uma insígnia com uma cruz e um coração, na sentença do monarca português. “Este documento é mais antigo do que o Brasil”, brinca a restauradora.
Enquanto não se resolve a charada, os seis exemplares foram devolvidos à Divisão de Manuscritos e estão disponíveis para os usuários da Biblioteca. As jóias, que tinham perdido sua beleza, agora estão novas em folha.
De papas e reis
Igor Mello