De volta aos trilhos

Bernardo Camara

  • O prédio da Estação da Luz, em São Paulo, após a restauração: o local ganhou um museue virou ponto turísticoNuma quinta-feira de manhã, a Avenida Francisco Bicalho ferve. No bairro carioca de Santo Cristo, é ali que fica a Estação Barão de Mauá, mais conhecida como Leopoldina. Se, de um lado, o trânsito caótico toma a rua, no interior do imponente prédio o silêncio reina. Dois vira-latas descansam no piso frio, enquanto agentes da Polícia Ferroviária folheiam um jornal. Nos trilhos, vagões enferrujados disputam espaço com o capim que cresce. E nas paredes, os relógios de ponteiro pararam no tempo. Mas, em breve, o local deve voltar aos seus tempos de glória. O edifício é cotadíssimo para abrigar um museu e ser a ponta da linha do trem-bala, que vai ligar o Rio de Janeiro a São Paulo.    

    Seguindo os passos da paulistana Estação da Luz, que, de abandonada, voltou a ter prestígio, a Estação Barão de Mauá pretende reviver seus melhores dias. Segundo a Secretaria Estadual de Transportes, atual administradora do prédio, alguns estudos apontaram o edifício como ideal para abrigar o Trem de Alta Velocidade – nome oficial do projeto. Se o governo bater o martelo, as obras serão iniciadas em março.

    Com verba liberada pelo Ministério dos Transportes, um grupo de pesquisadores também começa este ano a botar no papel o Museu Ferroviário Nacional. A Barão de Mauá desponta como preferida para ser a sede. “Todo o acervo ferroviário nacional deve ser reunido ali. Vai ter restaurante, auditório, biblioteca. A ideia é que o local seja um centro de referência”, adianta o conselheiro da Associação de Engenheiros Ferroviários do Rio de Janeiro, Helio Suevo, que integra a equipe que está estudando a viabilidade do projeto.  

    Inaugurada em 1926, a estação sempre esteve entre as mais importantes da Estrada de Ferro Leopoldina. Além dos trechos metropolitanos que saíam do local, era sob seu altíssimo pé-direito que os passageiros esperavam a partida do badalado Trem de Prata. Os vagões turísticos e luxuosos levavam a nata da sociedade para um passeio até São Paulo.

    O Trem de Prata fez sua última viagem há 11 anos, e os trens metropolitanos foram desviados para a Central do Brasil. Desde então, pouquíssimas pessoas circulam pelo prédio, entre servidores da Secretaria de Transportes, policiais ferroviários e aficionados por ferreomodelismo, que se reúnem numa sala para praticar o hobby.

    No Rio de Janeiro,  um trem agoniza nos trilhos da Estrada de Ferro Leopoldina, desativada há 11 anos.“Se a Polícia Ferroviária não estivesse aqui dentro, isso já tinha virado favela”, critica um funcionário, pedindo para não ser identificado. “O edifício foi degradando durante esse tempo e está em péssimo estado de conservação”, confirma o engenheiro Helio Suevo. Sua restauração será o primeiro passo para a instalação do museu.

    A ideia é ir pelo mesmo caminho da Estação da Luz, no bairro de mesmo nome, em São Paulo. Até 2006, quando o prédio recebeu o Museu da Língua Portuguesa, a área estava totalmente degradada, com gente se drogando e se prostituindo. Agora, não só as instalações ganharam novos ares, mas também o entorno da estação.

    “Tem mais policiamento, está mais iluminada, e os usuários de drogas estão procurando outros lugares”, afirma o historiador Moyses Lavander, que escreveu o livro SPR: memórias de uma Inglesa, sobre a ferrovia São Paulo Railway, construída por ingleses.  

    Saindo do Museu da Língua Portuguesa, basta dar alguns passos para nos depararmos com a Pinacoteca e com a sede da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), que fica na estação vizinha, Julio Prestes. “Aquela região está se tornando um espaço cultural muito interessante e muito visitado”, observa Lavander.

    É um retorno ao passado. O edifício da estação, aberto ao público em 1901, coroou o fim da época da arquitetura de ferro e se estabeleceu como ponto central do crescimento da cidade. “A Estação da Luz era das mais importantes. São Paulo terminava ali. O fluxo de passageiros era enorme”, recorda o historiador, acrescentando que, todos os dias, um mar de imigrantes, cafeicultores e trabalhadores desembarcava no local.

    Sobre os trilhos, a história também ganhou outros contornos. O traçado por onde os trens passavam há 100 anos voltou à ativa. No subsolo da Estação da Luz, ainda hoje milhares de pessoas entram e saem dos vagões da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).

    Pichações e sujeira tomam a fachada do prédio da Estação Barão de Mauá: governo promete melhorias este ano.Enquanto isso, lá em cima é a pasta da Cultura que toca os projetos do prédio. Moyses Lavander lamenta que o edifício não pertença mais ao patrimônio ferroviário. Mas se a mudança se traduz em recursos para preservação – foram mais de R$ 30 milhões investidos na restauração e implantação do Museu da Língua Portuguesa –, ele prefere que seja assim.

    No Rio, a Estação Barão de Mauá continua na alçada de Transportes. A secretaria estadual promete R$ 1 milhão para dar um trato na fachada, na estrutura e na iluminação local ainda este ano.

    Os adeptos das estradas de ferro comemoram as iniciativas. E observam que elas são o reconhecimento de um modelo que, apesar de desvalorizado hoje, levou muitas cidades nas costas. “Graças a essas ferrovias, São Paulo e Rio de Janeiro conseguiram ser o que são hoje”, diz Lavander. “Nada mais justo que essas estações recebam a devida atenção”.