Da disponibilidade e escolha dos itens constitutivos da dieta à forma de consumo, os grupos humanos imprimem em seus modos de comer as marcas de suas formações sociais.
Satisfazer a necessidade primordial da nutrição se relaciona com tradições e transformações culturais. Quais são os membros do grupo responsáveis pela obtenção e pela preparação dos ingredientes? Quando se podem comer tais itens, e sob quais condições? É preciso separar o doce do salgado? Em qualquer lugar e em qualquer época, as pessoas precisam fazer escolhas – explícitas ou não – referentes à alimentação.
E as escolhas, evidentemente, são históricas. No caso brasileiro, referem-se a um processo peculiar pelo qual passamos ao longo do século XX e que não está concluído: 36% da nossa população viviam nas cidades em 1950, hoje são 84%. Esta inversão demográfica, acompanhada por um aumento populacional sem precedentes (éramos menos de 52 milhões em 1950 e pulamos para mais de 190 milhões no início da presente década), implicou uma reorganização da produção de alimentos, agora maciçamente industrializados.
Antes, estávamos próximos da produção dos alimentos; hoje, pessoas que nunca viram uma galinha ciscar consomem – e desperdiçam – seus lanches crocantes de frango diariamente; famílias inteiras que jamais sentiram o odor de um curral bebem litros de leite, achocolatado ou não, e comem seus pães e queijos sagrados cotidianos. No movimento (histórico) do distanciamento entre nossos pratos e a produção efetiva da nossa comida, escolhemos esquecer as estruturas que criamos para manter os corpos funcionando. Seria saudável, para o corpo individual e também para o social, tomar consciência dessas transformações.
Decifrando o ato de comer
Rodrigo Elias