Este ano, mais do que nunca, a atenção para a luta contra a discriminação racial vai além do dia da Abolição da Escravatura e do Dia Nacional da Consciência Negra. Ou, pelo menos, deveria, já que 2011 foi declarado pela ONU o Ano Internacional dos Afrodescendentes. Salvador já começa a aquecer os tambores: de 16 a 19 de novembro acontece na cidade o Encontro Ibero-Americano do Ano dos Afrodescendentes. Já na UFF, no Rio de Janeiro, será feito um inventário dos principais locais ligados ao tráfico e à fixação dos africanos no Brasil, como quilombos e irmandades.
A população em geral pode participar enviando indicações desses locais, até 20 de novembro, pelo site do Inventário dos Lugares de Memória do Tráfico Atlântico de Escravos e da História dos Africanos Escravizados no Brasil. A equipe do Laboratório de História Oral e Imagem da UFF (Labhoi) selecionará as melhores e deve publicá-las em 2012. “Paraguai, Argentina e Uruguai já fizeram isso. O Brasil tem as informações, mas nunca as sistematizou. Com o Ano Internacional dos Afrodescendentes, resolvemos levar isso adiante”, diz Milton Guran, pesquisador associado do Labhoi e membro do projeto Rotas da Liberdade, da Unesco.
Nos arredores de Salvador devem estar alguns desses lugares ligados aos africanos. A cidade hoje concentra grande parte da população negra do país. Por isso mesmo foi escolhida para sediar o encontro, que vai reunir 14 chefes de Estado da América Latina, do Caribe, de Angola, do Benim e da Nigéria, além da presidente Dilma Rousseff.
No evento, organizado pelo governo federal juntamente com o governo do estado da Bahia e a Secretaria Geral Ibero-Americana, será assinada a Declaração de Salvador. “O documento deve criar um fundo ibero-americano para afrodescendentes e um observatório de dados estatísticos, com informações sobre saúde, educação e emprego, por exemplo”, explica Silvio José Albuquerque e Silva, chefe da Divisão de Temas Sociais do Ministério das Relações Exteriores. Fora os compromissos políticos, também serão realizadas 15 mesas-redondas, um grande evento artístico e musical no Pelourinho, com direção de Carlinhos Brown, e outras apresentações em vários locais do centro histórico da cidade.
A escolha do tema para este ano não foi aleatória. A data comemora os dez anos da Conferência Mundial contra o Racismo, realizada em Durban, na África do Sul. Foi dessa conferência que resultou boa parte das políticas brasileiras de ações afirmativas. “Nos últimos anos, algumas políticas vêm sendo gradativamente implementadas. Mas o Ano do Afrodescendente só vai gerar boas consequências se for acompanhado de informações consistentes sobre o que é ser afrodescendente e sobre o quanto a diáspora africana contribuiu e contribui para a moderna civilização, não só com mão de obra, mas também com cultura, pensamento e, principalmente, com arte”, afirma o pesquisador Nei Lopes, autor da Enciclopédia brasileira da diáspora africana (Selo Negro, 2004). O inventário da UFF e os debates em Salvador vão contribuir para isso. O importante é que a data não vire apenas uma marca no calendário.
Inventário - www.labhoi-uff-inventario.com.br/
Declaração à africana
Cristina Romanelli