O quadro da financista Eufrásia Teixeira Leite (1850-1930) é uma das obras mais queridas do público que visita o Museu Casa da Hera – antiga residência de uma família do Vale do Paraíba, no áureo período cafeeiro fluminense. Trata-se de uma pintura a óleo, realizada na França no século XIX, que retrata a elegância e a beleza da última proprietária do imóvel. Como historiadora do Instituto Brasileiro de Museus, fui incumbida de redigir um texto sobre o local, e me encantei com a história de vida desta mulher e seu belo retrato.
Quem pintou o quadro de fundo vermelho imponente? Alguém importante? Famoso? Recorri aos materiais já impressos sobre a história de Eufrásia e da casa. Eram poucos, infelizmente. O pintor não parecia ser muito conhecido, pois sua assinatura já fora até confundida com o suposto nome “Lawlis Duray”. Mas o erro foi corrigido pela instituição: o autor da obra, na verdade, era “Carolus Duran”.Poucos anos depois, quando estava em Paris, tive uma surpresa. Andava pelas salas do Museu d’Orsay quando um quadro de grandes dimensões chamou a minha atenção. Era uma mulher vestida de negro, lançando sua luva branca ao chão escuro, e na tela o pintor assinou seu nome em vermelho: Carolus Duran, 1869.
Levei um susto. Uma obra enorme, exposta em um dos museus mais famosos do mundo, do mesmo autor do quadro de Eufrásia, que tínhamos em um pequeno e humilde museu-casa no interior do Rio de Janeiro.Andei alguns passos e lá estava outra bela pintura, igualmente grande, de 1897, de sua filha mais velha na companhia dos netos. Tentei imaginar a quantidade de obras importantes na reserva técnica do d’Orsay para entender a importância de Carolus Duran na pintura francesa do século XIX. Obviamente, se um museu com esta reserva escolheu expô-lo é porque se tratava de alguém de peso. Alguém que deveria ser mais conhecido no Brasil.Ao final do dia, mais surpresas. Caminhando pelas salas do Petit Palais, outro museu de acervo invejável, encontro mais duas grandes obras de Duran que quase me fizeram cair para trás. A coincidência foi tão grande que Eufrásia parecia estar querendo me mostrar que não havia escolhido um pintor qualquer para retratá-la.Acredito que o desconhecimento sobre o autor se deva ao ostracismo humilhante a que foi submetida a pintura acadêmica do século XIX pela crítica modernista durante grande parte do século XX. Como se vê, pelos espaços nobres que artistas como ele agora ocupam em museus famosos, isso finalmente está em processo de revisão. Carolus Duran foi o pintor por excelência da alta sociedade parisiense, representando, sobretudo, as mulheres elegantes de seu tempo. Brilhante colorista, de audácia calculada, o artista renova o retrato formal, modernizado por uma preocupação com a verdade e uma maneira de pintar livre e ampla.Pergunto-me se museus como o d’Orsay, o Petit Palais e os de Lille – sua cidade natal – sabem que nós também temos um Duran para chamar de nosso. É provável que não. Uma pena, pois esse intercâmbio de informações seria, no mínimo, interessante.Eneida Quadros Queiroz é pesquisadora do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e autora do romance A mulher e a casa, sobre Eufrásia Teixeira Leite.
Descortinando Duran
Eneida Quadros Queiroz