Quando Fayga Ostrower (1920-2001) morreu, os jornais anunciaram que “a dama da gravura brasileira” havia partido. Mas para quem conheceu de perto a produção de uma das artistas e educadoras mais ativas do século XX, a manchete tinha um tom de reducionismo. Afinal, sua obra transitou entre gravuras e joias, tecidos e painéis. O instituto que leva seu nome busca apoio para mostrar ao público as várias facetas de Fayga numa exposição programada para 2010, quando ela completaria 90 anos.
“Ela tem uma diversidade na área criadora que as pessoas não conhecem. Até hoje não sei 100% do que tem aqui”, diz Noni Ostrower, filha da artista, numa sala de 90 metros quadrados tomada por trabalhos da mãe. Foi ainda no enterro que Noni teve o estalo: “Precisávamos criar um instituto. Toda essa obra só tem sentido se estiver exposta”. No ano seguinte ele estava fundado, e em 2004, o site www.faygaostrower.org.br já dava uma amostra do projeto.
Desde então, Noni se desdobra para catalogar o material. Sem patrocínio, conta com a ajuda de parentes e admiradores para tocar o desafio. Entre os voluntários que já passaram por ali, a museóloga Thereza Kuhnert é das mais presentes. Desde 2005, toda semana ela tira uma tarde para mergulhar no mundo de Fayga.
“É muito prazeroso. Fico emocionada ao ver os trabalhos de uma artista consagrada, que recebeu tantos prêmios”, diz Thereza, que até o fim do ano terá organizado mais de 300 gravuras em metal. “Ainda tenho muito a fazer. Ali tem trabalhos em cerâmica, tecidos, estudos e desenhos, inclusive os que ela fez no navio, quando veio para o Brasil”, enumera.
Fayga tinha 13 anos quando deixou a Alemanha, para onde sua família polonesa, de origem judaica, fora atrás de oportunidades. Acabaram arrumando as malas para fugir do nazismo e chegaram ao Rio de Janeiro em 1934, instalando-se em Nilópolis, na Baixada Fluminense. As difíceis condições de vida e o conturbado contexto da época, emoldurado por campos de extermínio, bomba atômica, fome e seca fizeram a menina crescer impregnada de humanismo.
Os primeiros anos como artista desaguaram no Expressionismo. Mas, aos poucos, sua produção se encaminhou definitivamente para o Abstracionismo. Recebeu críticas por não se manter numa só linha, mas continuou seguindo suas escolhas.
Acreditava no poder da arte para transformar as pessoas e, como educadora, seguiu esse princípio. Publicou livros, deu aulas em centros comunitários, e em 1964 lecionou numa escola para negros em Atlanta (EUA), em plena vigência do racismo institucionalizado. “Foi difícil, ela viu alunos e colegas sendo presos”, conta Noni.
Para o próximo ano, quando Fayga completaria seu 90° aniversário, o instituto prepara uma série de projetos a fim de celebrar a data. Numa das iniciativas, os sentimentos da artista à época em que estava nos EUA vão virar livro, numa compilação dos textos que ela enviava ao Brasil contando os dias difíceis por lá. O Museu Victor Meirelles, em Florianópolis, também prepara uma exposição sobre sua vida e obra para o próximo ano.
Essas são apenas algumas ideias em execução. Apesar dos empecilhos, Noni e sua reduzida equipe pretendem fazer muito mais. Eles sabem que a vasta obra de Fayga ainda dá pano para manga: “Como educadora de arte, ela falava dos outros. Agora, é hora de abrir seu acervo para que os outros possam estudá-la”.
Discípula das artes
Bernardo Camara