Ditaduras

Vivi Fernandes de Lima

  • Alguns cantavam “afasta de mim esse cálice”; outros, “afasta de mim esse ‘cale-se’”. De um modo ou de outro, o duplo sentido da canção de Gil e Chico expressa bem os senões da década de 1970. A variação de significados parece estar sempre presente quando se fala de nossa mais recente ditadura. Os nomes com os quais a instalação do regime militar já foi batizada são prova disso. Há quem ainda fale em revolução, mas parece que a moda agora é chamá-lo de contragolpe. Então, seria uma reação anterior à ação, contrariando um princípio físico? Lá se foi uma lei de Newton.

    Esse período tem sido muito falado por conta dos 50 anos do golpe de 1964. Não é para menos: mais de 40 mil brasileiros foram vítimas de atos de exceção e a tortura foi praticada de maneira indiscriminada, como ressalta o artigo de Marcelo Torelly.

    O dossiê Ditaduras no Brasil pretende lembrar aos leitores que o regime militar de 1964 a 1985 não está sozinho na lista de governos autoritários brasileiros: tivemos a ditadura de Getulio e a de Floriano. Em 1896, veja só, a imprensa já criticava a atuação da polícia, acusando-a de violenta. E haja repressão policial a “reações políticas adversas”! E haja crimes contra a humanidade! E haja impunidade!

    Em entrevistas e artigos, Maria Luiza Tucci Carneiro, Vladimir Safatle, Jorge Chaloub, Marilene Antunes Sant’Anna, Orlando Zaccone, Angela de Castro Gomes, Jorge Ferreira e Geraldo Cantarino também encorpam este dossiê, mostrando o que herdamos desses períodos.

    Esta edição foi fechada logo depois da morte de Cláudia da Silva Ferreira, que foi baleada quando ia comprar pão, arrastada brutalmente pelo asfalto por um carro da PM do Rio de Janeiro, que a jogou ferida no porta-malas. Será a mesma polícia de Floriano que passou por Getulio e depois pelos militares impunemente?