Nelson Rodrigues cunhou a pérola: “Mário Filho foi tão grande que deveria ter sido enterrado no Maracanã”. Vinda do irmão, a frase pode soar como um exagero. Mas o genial dramaturgo não estava sozinho em sua admiração. Mário Rodrigues Filho foi o inventor do jornalismo esportivo moderno no Brasil.
Tudo começou por um desses acasos do destino, no início da década de 1920. “O pai dele, Mário Rodrigues, deixou o fechamento de A Crítica em suas mãos. Sem ter notícias para completar a primeira página, resolveu colocar uma reportagem sobre o jogo entre Flamengo e Vasco que aconteceria nas Laranjeiras”, conta o também jornalista Mário Neto, que guarda em casa diversas lembranças do avô. Mário Rodrigues, que considerava o futebol uma atividade de malandros, ficou possesso com aquela decisão do filho. Mas o caminho estava aberto: no dia seguinte, não restou um exemplar do jornal nas bancas.
Em 1931, Mário Filho fundou aquele que é considerado o primeiro jornal inteiramente dedicado ao esporte em todo o planeta, O Mundo Sportivo. A partir daí, revolucionou o modo como a imprensa descrevia jogadores e partidas, usando um vocabulário mais popular e cunhando expressões que entrariam para a história, como “Fla-Flu”. Para Mário Neto, o grande feito do avô foi “transformar o jogador de futebol em ser humano”. Assim era sua famosa coluna no jornal O Globo, onde trabalhou com carta- branca do amigo Roberto Marinho até 1937. Naquele ano, ele comprou, em sociedade com Marinho, o Jornal dos Sports, referência na cobertura esportiva por décadas, ainda hoje na ativa.
Sua dedicação ao futebol ultrapassou as fronteiras do jornalismo esportivo. Com o livro O Negro no Futebol Brasileiro (1947), Mário Filho produziu uma das três obras fundamentais para se entender o país. Isso na opinião de ninguém menos que Gilberto Freyre.
Quando o governo decidiu construir o maior estádio do mundo, para servir de palco principal da Copa de 1950, seu nome ganhou a honra de batizá-lo: Mário Filho, vulgo Maracanã. “Meu avô era uma pessoa querida por todos”, relembra Mário Neto. “Tanto que dominava os ambientes onde chegava, fosse na redação ou em uma ocasião social”. No irmão famoso tinha um fã: “Ele era um verdadeiro ídolo para o Nelson. Os dois se encontravam todos os dias e se falavam por duas, três horas. Amigos como Armando Nogueira e João Saldanha também estavam sempre presentes”.
Nem só de futebol vivia Mário. Também de carnaval. Foi dele a idéia de organizar, em 1933, o primeiro concurso de escolas de samba, na Praça XI. No ano seguinte, o evento foi oficializado.
Se merecia ser enterrado no Maracanã, seu centenário certamente ocuparia um jornal inteiro. Não foi o que ocorreu. Falecido em 1966 de ataque cardíaco, Mário faria cem anos em junho último. A data passou em branco na imprensa. O que Nelson Rodrigues diria sobre tamanha injustiça? Talvez isto: “Não há nada mais relapso do que a memória”.
Do tamanho do Maracanã
Filipe Monteiro e Igor Mello