Eles estão descontrolados

Igor Mello

  • O pesquisador desavisado deve imaginar que a rotina em uma biblioteca é monótona toda vida. Pois não sabe da missa a metade. Volta e meia, comportamentos inadequados ou francamente criminosos de freqüentadores da instituição deixam os funcionários de cabelo em pé.

    A bibliotecária Maria Angélica Motta já viu de tudo no Setor de Obras Gerais, em seu longo convívio com leitores, no mínimo, geniosos. “Alguns vêm aqui há tanto tempo que se acham os donos da biblioteca”, conta. Não é maneira de dizer. Por serem mais assíduos, eles exigem privilégios e, com toda a naturalidade, chegam a fazer anotações nos “seus” livros. Maria Angélica se diverte ao lembrar vários episódios inusitados, como quando um usuário inflexível, daqueles que não permitem nenhum barulho por perto, perdeu as estribeiras em plena biblioteca: “Um dia, ele teve um surto histérico e começou a gritar, mandando que as pessoas fizessem silêncio”.

    Em geral, os chatos não passam disso: tornam-se motivo de riso, mas são inofensivos. Mas, algumas vezes, seu desequilíbrio emocional pode causar escoriações. E um dos motivos é a busca dos livros solicitados, o que de vez em quando provoca certa demora até que cheguem ao balcão. Trata-se de fato natural em qualquer biblioteca de grande porte, mas é o suficiente para tirar do sério os mais irritadiços. Já houve um leitor que teve um acesso de fúria e lançou sua plaquinha de reserva em cima da funcionária que o atendia!

    Se pelas portas abertas da biblioteca podem entrar inconvenientes e descontrolados, por que não entrariam criminosos? Entre os funcionários da BN circula o caso extremo de um homem engravatado que desceu as escadarias da biblioteca a toda a velocidade, levando uma página do Diário Oficial. Os seguranças o perseguiram e resgataram a folha (embora amassada). Em outra ocasião, um visitante pegou um livro escondido, foi até o banheiro, destacou as páginas que lhe interessavam, e antes de sair teve a preocupação de deixar um bilhete se desculpando. “Ele escreveu que iria fazer cópias e depois as devolveria. Deixou até seu endereço”, conta a bibliotecária Maria Angélica. Seria a gentileza um atenuante para o crime? Antes fosse: o endereço era falso e o objeto do furto, obviamente, nunca mais voltou.

    Um acervo especialmente tentador para larápios é o de Referências e Periódicos. “Uma folha de jornal é mais fácil de se esconder do que um livro”, explica o funcionário Márcio Sacramento. Por isso mesmo, seu setor foi um dos que mais comemoraram a chegada do sistema de câmeras e catracas, instalado em 2006. Desde então, os furtos são bem menos freqüentes. Ou seja: os ladrões do patrimônio público podem até entrar, mas têm que rezar para sair. “As câmeras nos ajudam a identificar quem pratica os crimes. E quando os identificamos, nós os pegamos”, garante a agente de segurança Claudia Pires.

    Portanto, desconfie do silêncio que envolve os salões da Biblioteca Nacional. A qualquer momento podem ocorrer naquele ambiente pacífico cenas dignas de um filme de ação. Ou de comédia.