“Dario ficou horrorizado com a primitividade em que eu vivo. Ele olhava tudo com assombro. Mas ele deve aprender que a favela é o quarto de despejo de São Paulo. E que eu sou uma despejada”. A passagem foi retirada de Quarto de despejo: diário de uma favelada, escrito por Carolina Maria de Jesus em 1960, e escolhida como primeiro trecho da exposição “Dona Orosina Vieira e Carolina Maria de Jesus – Da Maré ao Canindé, inspiração para as periferias”. Entre novembro de 2014 e maio passado, os visitantes do Museu da Maré, no complexo de favelas de mesmo nome, zona norte do Rio, conheceram o olhar dos jovens moradores sobre a comunidade, em diálogo com fontes diversas.
O trecho de Carolina, por exemplo, foi relacionado a imagens de outubro de 2014, durante ato contra a possibilidade de despejo do próprio museu: “Depois de muitos anos, a ameaça de despejo volta a rondar os moradores da Maré”. Os organizadores da exposição foram os 18 adolescentes integrantes da Roda de Leitura Carolina Maria de Jesus, idealizada e ministrada no próprio museu por Miriane da Costa Peregrino, mestre em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Durante dois semestres, eles debateram o universo da autora que dá nome à roda. “A exposição foi resultado do trabalho desenvolvido entre 2013 e 2014, que incluiu leitura, produção textual e pesquisa de campo e cujo tema foi a aproximação entre Carolina e Dona Orosina, uma das primeiras moradoras da Maré”, explica Miriane.Carolina nasceu em Sacramento (MG), mas foi na capital paulista, moradora da Favela do Canindé, que ficou famosa: seus cadernos viraram livro. Também mineira, Dona Orosina, falecida em 1994, “é como uma celebridade do Morro do Timbau, os moradores mais antigos contaram muitas histórias legais sobre ela”, explica Raíza Barros, integrante do projeto. Sobre Orosina, que não deixou memórias escritas, os jovens leitores entrevistaram moradores da comunidade. A mostra exibiu um vídeo em que sua sobrinha-neta, D. Vera Marta Alves de Carvalho, narra sua história.
Os jovens Matheus Frazão e Aline Moura tinham gosto pela leitura antes de entrarem para a roda, mas não conheciam Carolina Maria de Jesus. “Começamos com o livro Quarto de Despejo e vi uma realidade muito próxima, mesmo àquela época, na favela do Canindé, que não existe mais. Nunca tinha lido algo tão real”, lembra Matheus. Aline, que aos 18 anos já decidiu pela graduação em Letras, explica entusiasmada o quanto gostou do projeto: “Me apaixonei pela história dela e me identifiquei muito. Parecia impossível ser escritora, mas ela conseguiu. Me emocionou e me inspirou também a lutar mais para alcançar meus sonhos”. A próxima edição da Roda deve começar em agosto e Miriane pretende expandir o projeto.
Em comum, a favela
Angélica Fontella