Depois de ir ao interior da Bahia e registrar em detalhes todos os acontecimentos da Guerra de Canudos (1896-1897), Euclides da Cunha publicou o material no jornal O Estado de S. Paulo. Em 1902, seus textos foram transformados no livro Os Sertões, e ele se tornou um dos principais exemplos de escritores que iniciaram a carreira em um periódico. Na mesma trilha podem ser encontrados muitos autores brasileiros, como Machado de Assis (1839-1908), Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e José de Alencar (1829-1877). Essa relação entre jornalismo e literatura vem sendo investigada desde 2006 por pesquisadores e técnicos da Fundação Biblioteca Nacional. O projeto “Periódicos Literários: publicações efêmeras, memória permanente” ganhou este ano um site (www.bndigital.bn.br/projetos/periodicosliterarios), onde está a biografia de quase cinquenta autores e a descrição de vinte e três periódicos.
Segundo Irineu Corrêa, pesquisador da BN, os periódicos tiveram um papel muito importante no estabelecimento do mercado de romances no século XIX. A primeira versão das obras, chamada folhetim, muitas vezes era publicada em jornais. O autor ouvia a opinião dos leitores e depois lançava a versão em livro. “A imprensa influenciou o hábito da leitura. Isso sem pensar nas revistas especializadas, como Kosmos, Renascença e Nictheroy, que representavam certos grupos de literatos”, diz ele. A revista Floreal, por exemplo, lançada em 1907, foi quase toda editada e escrita pelo grupo de Lima Barreto (1881-1922). A BN possui dois dos quatro exemplares, que foram restaurados e agora estão no portal do projeto.
A equipe pretende analisar e digitalizar mil e quinhentos periódicos. Uma tarefa nada fácil, principalmente porque todos farão parte de um banco de dados com informações sobre sua história e detalhes da máscara gráfica. Até o fim do ano, cento e quarenta títulos já devem estar prontos. E em 2011, todas essas informações irão para a Internet. O trabalho fica ainda mais complicado – e interessante – quando se percebe que parte das publicações é pouco conhecida. “Encontramos periódicos do século XIX e do início do XX na Divisão de Manuscritos. Um deles era feito pelo Coelho Neto. As letras são tão bem desenhadas que nós demoramos a perceber que eram feitas à mão”, conta Corrêa.
Além da análise dos periódicos, os seis integrantes do projeto desenvolvem pesquisas paralelas, como os estudos mais aprofundados sobre a revista Minerva Brasiliense (1843-1845) e sobre Victor Silva (1865-1922), que publicou seus poemas somente em periódicos. Segundo Corrêa, é fácil encontrar escritores que não publicavam seus trabalhos em livros. “O difícil mesmo é encontrar um autor que nunca tenha escrito em jornal”, ele afirma. Seja em forma de romance, poesia, crítica, resenha ou até de propaganda, não faltam textos literários para mobilizar a pesquisa, que não tem prazo para terminar.
Em verso e prosa
Cristina Romanelli