Enquanto Isso...

Marcello Scarrone

  • Dom Quixote e outros tantos
     
    Nos anos em que o bardo de Stratford-upon-Avon brilhava na Inglaterra, outros romancistas, poetas e comediógrafos se apresentavam na cena literária europeia. As rimas finalmente reunidas de Camões e os versos de Góngora e Malherbe, Marino e Tasso se difundem nas cortes, nos salões e nas livrarias do continente. O gênio de Cervantes se destaca na Espanha, onde também Lope de Vega exibe sua prolífica produção. Campanella, Galileu e Francis Bacon lançam seus textos científicos ou filosóficos. Mas também deste lado do Atlântico, lá pelas íngremes encostas dos Andes, surge, pela pena de Felipe de Ayala, grande literatura.  
     
    1592
     
    O italiano Torquato Tasso reescreve sua obra-prima publicada 12 anos antes, A Jerusalém Libertada, poema épico ficcional que narra a luta entre cristãos e muçulmanos durante a primeira Cruzada. Apesar do grande sucesso de público da primeira versão, o autor resolve eliminar vários episódios de caráter amoroso, tornando o texto mais fiel à história, e trocando até o título, que se torna agora A Jerusalém Conquistada.
     
    1595
     
    Quinze anos depois de sua morte, toda a obra lírica de Luis de Camões, até então dispersa em manuscritos, é reunida sob o título Rimas. Celebrado pela epopeia do célebre Os Lusíadas, aqui também o poeta português dá mostras de sua arte, sobretudo através de cantigas, redondilhas e sonetos. 
     
    1597
     
    Precedido em 17 anos no gênero pelo francês Michel de Montaigne, o inglês Francis Bacon publica a primeira edição de seus Ensaios. Considerado, por seus textos filosóficos, um dos criadores do pensamento científico moderno, com ênfase no método indutivo e experimental, nesta obra literária e em seus aforismos o autor reflete sobre a vida política e moral.
     
    1602
     
    O frade dominicano Tommaso Campanella, que já se encontrava há dois anos no cárcere em Nápoles, com uma condenação a 27 anos de prisão por ter planejado uma revolta contra o domínio espanhol no sul da Itália e a instauração de uma forma republicana de governo, escreve sua obra-prima, A Cidade do Sol, descrição de uma utópica e pacífica república universal, baseada em princípios de justiça natural. 
     
    1605 
     
    É publicada em Madri a primeira edição do livro de Miguel de Cervantes, El ingenioso hidalgo Don Quixote de La Mancha. Trata-se da primeira parte da obra, que será completada dez anos depois. Inicialmente concebido como uma sátira dos romances de cavalaria difundidos na Espanha da época, o livro se transforma na parábola do homem e de sua vida dividida entre fantasia e realidade, atingindo vértices literários consagrados por todas as futuras gerações de leitores. 
     
    O rei de França, Henrique IV, nomeia poeta oficial de corte François de Malherbe, autor de composições poéticas de grande perfeição estilística, que o transformarão num dos reformadores da língua francesa e um dos teóricos do classicismo. 
     
    1610
     
    É publicada em Veneza a obra Sidereus Nuntius (A Mensagem das Estrelas, ou O Mensageiros das Estrelas), de Galileu Galilei, na qual o autor relata observações e descobertas astronômicas, como a dos quatro maiores satélites de Júpiter, realizadas com o uso do telescópio. 
     
    1612
     
    O poeta castelhano Luis de Góngora, cujo estilo literário exuberante e prolixo será apelidado de gongorismo, escreve a Fábula de Polifemo e Galatea, poema sobre o amor entre o ciclope e a ninfa da mitologia greco-romana. Buscando a sonoridade, os versos da obra também estão repletos de metáforas, simetrias, hipérbatos, tornando-a de difícil compreensão. 
     
    1613 
     
    Transferida a cama para um local menor, o grande quarto de dormir de Catherine de Vivonne, marquesa De Rambouillet, em sua morada parisiense começa a ser transformado em lugar de acolhida para um seleto grupo de poetas, escritores e letrados franceses, tanto nobres como burgueses. Recepções, festas, concertos, sessões de leitura e conversas acontecerão por anos e anos naquele espaço, apelidado de “quarto azul”, pioneira experiência de um salão literário na França.  
     
    1614
     
    É publicada A Lira, coletânea de poemas do italiano João Batista Marino. O poeta está trabalhando também em Adônis, longa composição poética que será publicada daqui a sete anos em Paris, e que se constituirá no maior poema da literatura italiana, com cerca de 41 mil versos, três vezes maior que A Divina Comédia, de Dante.  
     
    Autor de centenas de comédias e autos, de romances e de milhares de sonetos, o prolífico escritor espanhol Lope de Vega adentra uma profunda crise existencial após as mortes de um filho e da esposa, ocorridas nos anos anteriores. Abraçado com a vida sacerdotal, o autor escreve as Rimas Sacras. 
     
    1615
     
    O índio da região andina Felipe Guamán Poma de Ayala termina a escrita de Nueva Cronica y Buen Gobierno, para oferecer à Coroa espanhola uma versão diferente da conquista da América que os cronistas ibéricos apresentavam, e narrar também a respeito da história e da cultura indígenas. Através de 1.200 páginas e cerca de 400 desenhos, o autor, que escreve em castelhano, busca alertar sobre os males da colonização.