Escolha justa

Sônia Maria Gonçalves

  • Clique na imagem para ampliarO documento do início do século XIX é uma iluminura em aquarela, na forma de carta de usança, uma espécie de autorização para o desempenho de uma atividade, feita em papel de trapo. Na escrita se utilizou tinta ferrogálica vermelha e castanha, muito empregada nos documentos da época.
     
    Em geral, o termo “iluminura” indicava um desenho ou uma pintura de dimensões pequenas, realizado com aquarela, esmalte ou óleo, em suporte de pergaminho, de marfim ou de cobre, perfeitamente acabado e com grande riqueza de pormenores. No sentido que recebeu no século XX, “iluminura” indica a arte de ilustrar e decorar manuscritos. Geralmente o procedimento é executado com tintas de água ou de têmpera. Na antiguidade era usado papiro, depois, pergaminho e papel. As origens da arte da iluminura remontam aos papiros ilustrados do antigo Egito, nos quais se inspiraram os alexandrinos para realizar os códices em pergaminho, decorados a ouro e a prata.
     
    A escrita da carta é a humanista, em vigor desde o século XVI. É de fácil leitura e apresenta os caracteres das letras bastante individualizados, com tamanhos e cores diferentes. Três cores foram utilizadas no documento: primeiramente, a cor dourada (em ouro) no nome do Ouvidor, talvez para realçar a importância do cargo e da pessoa; a vermelha, utilizada no título, na primeira linha da Carta e nas iniciais em maiúsculas de algumas palavras; e a preta para o corpo do texto e nas rubricas, sendo que, o nome do diplomado, assim como o cargo para o qual foi eleito destacam-se em maiúsculas na forma de grifo. 
     
    O traçado das letras é regular, com uma leve inclinação de 45º à direita (dextrogira). O autor faz uso de abreviaturas ou síncopes, tais como ‘S.A.R.’ (para “Sua Alteza Real”), ‘S’ (“Selo”), ‘V’ para (“Vossa”). Utiliza-se ainda do “S” caldado (longo) para indicar “ss” (no caso de “passada”), de consoantes dobradas intervocálicas além de “ss” e “rr”, como em “attendendo”, “aquella”, “sello”. Há ocorrência também de junção de pronomes oblíquos à palavra como em ‘registandose’.
     
    É um documento ideógrafo, isto é, quem escreveu a carta não é quem a assina. Diferentemente da letra do corpo do texto, o fechamento do documento é feito pelo escrivão da Ouvidoria, revelando a presença de um calígrafo no momento da redação do documento. A assinatura é feita em escrita processual encadeada. Esta tem sua autenticidade comprovada quando comparada a outros documentos do autor no mesmo período.
     
    Sônia Maria Gonçalves é técnica em paleografia no Arquivo Público Mineiro.
     
    Eleição justa
     
    Essa iluminura, em ótimo estado de conservação, pertence ao acervo do Arquivo Público Mineiro, no fundo Câmara Municipal de Sabará. É uma carta de usança, ou seja, uma permissão para o desempenho de um serviço dentro da jurisdição da autoridade local que a concede, expedida por Antônio Luiz Pereira da Cunha, ouvidor da Comarca do Sabará, ao capitão José Vieira Carneiro, escolhido pela eleição de Pelouros para o cargo de juiz ordinário da vila de Sabará. 
     
     
    Solução do “Decifre”
     
    “O DOUTOR ANTONIO LUIZ PEREIRA DA CUNHA 
    Professo na Ordem de Christo do Dezembargo de Sua Alteza Real que De- 
    os goarde Seu Dezembargador da Relação, e Caza do Porto, com exercício 
    em Ouvidor geral e Corregedor desta Comarca, e na mesma Provedor das 
    Fazendas dos defuntos e ausentes, Capellas e Rezíduos, Juiz das Justifica- 
    çoens Ultramarinas, e mais Cargos anexos. Etc. 
    FAÇO SABER AOS QUE APREZEN-
    TE Minha Carta de Uzança virem, ou della noticia tiverem , que o CAPITÃO 
    JOSÉ VIEIRA CARNEIRO me enviou a dizer por hua sua petição por escripto, que elle 
    havia sahido elleito para servir o Cargo de JUIZ ORDINÁRIO nesta Villa, e 
    seu Termo no anno futuro de 1805 pela eleição de Pelouros a que proximamente se proce- 
    deo, e que como pela folha corrida, que me aprezentava se mostrava sem culpas, por isso 
    lhe houvesse de mandar passar sua Carta de Uzança, ao que attendendo, e por esperar, 
    e confiar, que elle no mesmo Cargo se portará com aquella honra, probidade, e inteireza, que 
    exige o Serviço de DEOS, e de Sua Alteza Real lhe mandei passar a prezente, e por bem della 
    Mando, que como tal o honrem, e extimem, obedecendo aos seus mandatos, tanto por escripta, co- 
    mo de palavra; e poderá haver os emolimentos, e propinas, que pelo Regimento, e Ordens Re- 
    gias lhe são concedidos, registandose esta na Ouvidoria Geral, e onde mais 
    pertencer. 
    Dada, e passada sub meu Signal, e Sello, ou sem elle ex cauza nesta Villa Real de Nos- 
    sa Senhora da Conceição do Sabará aos 24 dias do mez de Dezembro de 1804. E eu 
    Bernardino de Sena e Casto Escrivam da Ouvidoria geral que o Subescrevy. 
    Antonio Luiz Pereira da Cunha 
    Ao Sello 200 reis Verá Sua Excellencia 
    Cunha.” 
     
    Segue abaixo a versão atualizada:
     
    “O DOUTOR ANTONIO LUIZ PEREIRA DA CUNHA 
    Professo na Ordem de Cristo do Desembargo de Sua Alteza Real que De- 
    us guarde Seu Desembargador da Relação, e Casa do Porto, com exercício 
    em Ouvidor geral e Corregedor desta Comarca, e na mesma Provedor das 
    Fazendas dos defuntos e ausentes, Capelas e Resíduos, Juiz das Justifica-
    ções Ultramarinas, e mais Cargos anexos. Etc. 
    FAÇO SABER AOS QUE A PRESEN-
    TE Minha Carta de Usança virem, ou dela notícia tiverem, que o CAPITÃO 
    JOSÉ VIEIRA CARNEIRO me enviou a dizer por uma sua petição por escrito, que ele 
    havia saído eleito para servir o Cargo de JUIZ ORDINÁRIO nesta Villa, e 
    seu Termo no ano futuro de 1805 pela eleição de Pelouros a que proximamente se proce- 
    deu, e que como pela folha corrida, que me apresentava se mostrava sem culpas, por isso 
    lhe houvesse de mandar passar sua Carta de Usança, ao que atendendo, e por esperar, 
    e confiar, que ele no mesmo Cargo se portará com aquela honra, probidade, e inteireza, que 
    exige o Serviço de DEUS, e de Sua Alteza Real lhe mandei passar a presente, e por bem dela 
    Mando, que como tal o honrem, e estimem, obedecendo aos seus mandatos, tanto por escrita, co- 
    mo de palavra; e poderá haver os emolumentos, e propinas, que pelo Regimento, e Ordens Ré-
    gias lhe são concedidos, registrando-se esta na Ouvidoria Geral, e onde mais 
    pertencer. 
    Dada, e passada sob meu Sinal, e Selo, ou sem ele ex causa nesta Villa Real de Nos- 
    sa Senhora da Conceição do Sabará aos 24 dias do mês de Dezembro de 1804. E eu 
    Bernardino de Sena e Casto Escrivão da Ouvidoria geral que o Subescrevi. 
    Antonio Luiz Pereira da Cunha 
    Ao Selo 200 réis Verá Sua Excelência 
    Cunha.” 
     
    Uma 2ª forma, com o texto corrido:
     
    “O DOUTOR ANTONIO LUIZ PEREIRA DA CUNHA, Professo na Ordem de Cristo do Desembargo de Sua Alteza Real que Deus guarde Seu Desembargador da Relação, e Casa do Porto, com exercício em Ouvidor geral e Corregedor desta Comarca, e na mesma Provedor das Fazendas dos defuntos e ausentes, Capelas e Resíduos, Juiz das Justificações Ultramarinas, e mais Cargos anexos. Etc.
     
    FAÇO SABER, AOS QUE A PRESENTE Minha Carta de Usança virem, ou dela notícia tiverem, que o CAPITÃO JOSÉ VIEIRA CARNEIRO me enviou a dizer por uma sua petição por escrito, que ele havia saído eleito para servir no Cargo de JUIZ ORDINÁRIO nesta Villa, e seu Termo no ano futuro de 1805 pela eleição de Pelouros a que proximamente se procedeu, e que como pela folha corrida, que me apresentava se mostrava sem culpas, por isso lhe houvesse de mandar passar sua Carta de Usança, ao que atendendo, e por esperar, e confiar, que ele no mesmo Cargo se portará com aquela honra, probidade, e inteireza, que exige o Serviço de DEUS, e de Sua Alteza Real lhe mandei passar a presente, e por bem dela Mando, que como tal o honrem, e estimem, obedecendo aos seus mandatos, tanto por escrita, como de palavra; e poderá haver os emolumentos, e propinas, que pelo Regimento, e Ordens Régias lhe são concedidos, registrando-se esta na Ouvidoria Geral, e onde mais pertencer. 
     
    Dada, e passada sob meu Sinal, e Selo, ou sem ele ex causa nesta Villa Real de Nossa Senhora da Conceição do Sabará aos 24 dias do mês de Dezembro de 1804. E eu Bernardino de Sena e Casto Escrivão da Ouvidoria geral que o Subescrevi. 
     
    Antonio Luiz Pereira da Cunha 
    Ao Selo 200 réis Verá Sua Excelência. 
    Cunha.”