Quase todo mundo, alguma vez na vida, já viu um óvni. De fato, tudo aquilo que aparece no céu e não se sabe bem o que é constitui, num primeiro momento, um “objeto voador não identificado”. Já foram considerados óvnis aviões, balões, dirigíveis, foguetes, lixo espacial, meteoritos, planetas, pássaros, satélites artificiais e mesmo alguns fenômenos atmosféricos raros, como relâmpagos globulares.
Relatos de óvnis (ou ufos, sigla em inglês para unidentified flying objects) existem há milênios, mas a hipótese de esses fenômenos estarem relacionados a espaçonaves pilotadas por seres alienígenas só surgiu no final do século XIX, com o progresso da astronomia e a popularização de livros de ficção científica da lavra de escritores como Júlio Verne (1828-1905) e Herbert George Wells (1866-1946), este último, autor do famoso A guerra dos mundos, de 1898, em que fantasia uma invasão da Terra por marcianos.
No século XX, as hipotéticas naves extraterrestres tornaram-se realmente populares: o rápido desenvolvimento da astronáutica ocasionado pela Guerra Fria – com o lançamento dos primeiros satélites artificiais e a criação de veículos espaciais – mostrava que viagens interplanetárias eram uma ideia viável. Se o ser humano podia viajar pelo espaço, seres espaciais também poderiam visitar a Terra.
Em 1947, a cidade de Roswell, no estado americano do Novo México, teria sido palco não só do sobrevoo de um disco voador, mas de sua queda e do resgate dos corpos dos extraterrestres vítimas do acidente. Somente cinquenta anos depois, em 1997, o governo americano liberou os documentos sobre o caso. E enterrou a lenda: o que caíra em Roswell eram os restos de uma série de balões interconectados do Projeto Mogul, ação ultrassecreta que utilizava aeróstatos gigantes com detectores acústicos de baixa frequência para espionar possíveis explosões nucleares soviéticas. Os “corpos de alienígenas” resgatados eram bonecos de outro projeto, o High Dive, usados em estudos ligados ao desenvolvimento de cápsulas de escape para astronautas. Com paraquedas acoplados, os bonecos eram elevados em balões a milhares de metros de altitude e depois largados.No Brasil, dois casos de aparições de ufos foram reconhecidos como autênticos pela Força Aérea Brasileira (FAB): a Operação Prato e a Noite Oficial dos Óvnis.
A primeira foi uma operação efetuada pela FAB entre setembro e dezembro de 1977 para investigar as chamadas “luzes chupa-chupa” – fenômeno que começou no Maranhão, no primeiro semestre daquele ano, passando depois para o Pará. A Operação Prato foi deflagrada depois que o prefeito de Vigia de Nazaré (PA), José Ildone Favacho Soeiro, enviou um apelo ao I Comando da Aeronáutica, de Belém, falando de luzes que atemorizavam a população local e provocavam paralisias e queimaduras nos moradores, desmaios e sangramentos. Daí a denominação de “chupa-chupa”: as luzes estariam sugando o sangue das vítimas.
A equipe de militares entrevistou médicos e dezenas de pessoas atingidas pelo fenômeno, e conseguiu avistar, fotografar e filmar objetos luminosos dos mais variados tamanhos e formas realizando manobras nos céus. A operação só se tornaria conhecida porque em 1997, dois meses antes de se suicidar em razão de uma crise depressiva, o comandante da operação, Uyrangê Bolívar Soares Nogueira de Hollanda Lima (já coronel reformado) contou em entrevista tudo o que viu.
No dia 19 de maio de 1986, a Noite Oficial dos Óvnis teve muito mais testemunhas: durou apenas três horas, mas foi observada nos estados de Goiás, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. A situação chegou a tal ponto que o Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (Comdabra) considerou a segurança de voo ameaçada, principalmente em São Paulo, onde se concentra o maior número de rotas aéreas do país e onde os óvnis estavam mais ativos. O alto-comando da FAB deflagrou duas operações de perseguição e interceptação dos óvnis por caças F-5E e Mirage. No dia seguinte, o então ministro da Aeronáutica, brigadeiro Octávio Júlio Moreira Lima, concedeu entrevista coletiva à imprensa, juntamente com os pilotos dos caças, confirmando os acontecimentos.
Ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos, o governo brasileiro até hoje não liberou inteiramente os documentos relativos aos dois casos. No que está contrariando a lei (decreto 5.301, de 9 de dezembro de 2004): classificadas com o carimbo “Confidencial”, essas investigações da Aeronáutica só deveriam ficar inacessíveis por dez anos, ou vinte, no máximo, caso houvesse uma prorrogação do prazo de sigilo.
Em todo o mundo, a tendência é liberar informações sobre óvnis, numa parceria entre governos e sociedades. Em 5 de março de 2004, um avião Merlin C-26/A da Força Aérea Mexicana (FAM), com câmera acoplada, em operação contra o narcotráfico, registrou por acaso, em infravermelho, onze globos que aparentavam voar sobre o mar do país. Numa atitude inédita, o governo pediu ajuda da comunidade ufológica para tentar explicar o que fora captado nas imagens. Logo ficou provado, graças ao capitão e piloto mexicano Alejandro Franz Navarrete, que os aparentes globos registrados pelo infravermelho nada mais eram que os imensos queimadores do complexo petrolífero de Cantarrel, localizado perto da Baía de Campeche. A câmera havia captado o forte calor proveniente das plataformas de perfuração, difíceis de serem vistas a olho nu na altitude em que os pilotos se encontravam. O episódio é um ótimo exemplo de como a abertura de arquivos sobre óvnis pode ajudar a esclarecer muitos mistérios.
Rodrigo Moura Visoni é segundo-tenente arquivista do Quadro Complementar da Aeronáutica e autor do artigo Óvnis nos arquivos militares brasileiros (JAD Assessoria e Projetos Ltda, 2009).
Saiba Mais - Bibliografia:
COVO, Claudeir. “Confirmado”. Ufo. Campo Grande: Mythos Editora, ano 21, no 111, jun. 2005, pp. 18-21.
GEVAERD, A. J. “Chegamos lá”. Ufo. Campo Grande: Mythos Editora, ano 21, no 111, jun. 2005, pp. 4-7.
PETIT, Marco Antônio. “Ufos no Brasil”. Ufo. Campo Grande: Mythos Editora, ano 21, no 115, out. 2005, pp. 16-22.
Saiba Mais - Na Internet:
http://rr0.org/science/crypto/ufo/enquete/dossier/Trinidad/
http://www.ceticismoaberto.com/ufologia/noguez_trindade00.htm
‘Photoshop’ na Rolleiflex
A data era 16 de janeiro de 1958, e o local, a Ilha da Trindade, no extremo leste do mar territorial brasileiro, a mais de mil quilômetros da costa. A tripulação do navio-escola Almirante Saldanha preparava-se para almoçar quando ouviu, vindo do convés, um grito espantoso:
– Olha o disco voador!
O fotógrafo Almiro Baraúna (1916 – 2000), a bordo para fazer imagens submarinas e reportagens sobre as atividades científicas ligadas ao então Ano Geofísico Internacional, pegou depressa sua câmera Rolleiflex e apontou para o céu, fazendo movimentos de quem fotografava alguma coisa. Nesse momento o bancário Mauro Andrade, atraído pelo alarido de bordo, correu até o convés, mas nada mais viu; tampouco o fotógrafo Farias de Azevedo, do Jornal do Brasil.
Devido à curiosidade geral, decidiram revelar o filme no próprio navio, num laboratório improvisado. Foi uma decepção: nos negativos apareceu apenas um ponto pequeno, que tanto podia ser um disco como uma gaivota. Considerado insignificante, o caso sequer foi registrado no diário de bordo pelo capitão-de-corveta Carlos Alberto Ferreira Bacellar. Mas daria muito o que falar.
Semanas depois, Baraúna procurou a imprensa oferecendo a história e quatro fotografias do suposto disco voador. Vendeu como banana. A partir do dia 20 de fevereiro, começaram a sair diversas reportagens sobre o caso. O fotógrafo valorizava o episódio com descrições minuciosas e exageradas: “A velocidade do estranho objeto era muito grande, fazendo mesmo doer a vista com o Sol a pino. Não me deixando envolver pelo espanto coletivo de marinheiros que se empurravam acompanhando a trajetória do disco, acionei o botão automático de minha máquina várias vezes em seguida”, declarou.
As contestações surgiram no ato. Um amigo de Baraúna, Filipe Simões, procurou o Jornal do Brasil denunciando serem as fotos nada mais que duas fichas, de forma abaulada e justapostas para a fotomontagem. Lembrou que Baraúna havia usado o mesmo truque em 1954, quando fez uma série para a revista O Mundo Ilustrado ensinando justamente como forjar imagens de... discos voadores! E sobre Baraúna, dizia: “Trata-se, realmente, de um excelente profissional, perito em fotomontagens, capaz de fazer milagres dentro de um laboratório, mas dono de uma imaginação fantástica e de desmedida ambição de fazer nome como fotógrafo. Mas com a Marinha de Guerra e a opinião pública não se deve brincar.”Também o professor Fernando Flávio Marques de Almeida (1916 - ), um dos mais importantes geólogos brasileiros, que na época realizava estudos na ilha à frente de uma equipe de quase cinquenta pessoas, afirmou que nada de anormal havia aparecido nos céus: “Posso dizer que nós vivíamos com o nariz para o ar, tanto de dia como até o anoitecer, visto que nosso trabalho principal eram as observações meteorológicas. Examinávamos as nuvens, direção dos ventos, etc. Como tal, se surgisse qualquer objeto estranho no ar, pelo menos alguns de nós teríamos visto, o que não ocorreu.”
Só duas pessoas confirmaram a versão de Baraúna. José Teobaldo Viegas, capitão da reserva da FAB, descreveu “um disco brilhando com luz fosforescente”. Amilar Vieira Filho (1925 – 2008), funcionário do Banco do Brasil, custou mais a falar. Só por insistência aceitou dizer à imprensa que vira “um objeto de cor a princípio cinzenta, de forma oval, que passou por sobre a ilha e depois, adquirindo uma luz do tipo fluorescente, desapareceu, em profundidade, até que o foco luminoso se extinguiu pouco acima da linha do horizonte”. Detalhe: Viegas e Amilar eram amigos de Baraúna. Os três moravam em Niterói e eram membros do Clube de Caça Submarina de Icaraí.
A Força Aérea dos Estados Unidos comprovou a montagem. De acordo com o relatório feito pelos cientistas do Projeto Blue Book que analisaram o caso, o objeto tinha pouco contraste e nenhuma sombra ao sol do meio-dia. Parecia estar invertido numa fotografia, em comparação com as outras. Se era verdade que o engenho andava em alta velocidade e que as fotos foram feitas apressadamente, como é que não havia sequer um borrão? O fotógrafo tentou argumentar que o óvni estava distante, daí a falta de sensação de velocidade nas imagens captadas. Mas como explicar serem as nuvens das três primeiras fotografias do tipo cúmulos, e as da última, cirros? Em segundos, o céu não muda tanto. É mais provável que as discrepâncias nas nuvens sejam devidas aos truques utilizados por Baraúna para criar o ufo.
Baraúna, Viegas e Vieira Filho morreram sem nunca terem reconhecido a farsa.
Especial Discos Voadores - Registros ocultados
Rodrigo Moura Visoni