“Você já ouviu falar em televisão? Agora vá ver televisão”. Foi assim, que, em setembro de 1950, quando o sinal da TV Tupi Difusora de São Paulo começou a ser transmitido no Brasil, a empresa fabricante dos primeiros aparelhos chamou a atenção do público para o novo veículo de comunicação. Em 18 de setembro de 1950, data em que a imagem da Tupi foi ao ar, muitos já tinham ouvido falar em televisão, mas foram poucos os que viram aquelas imagens.
Desde os anos 1930 vinham sendo realizadas experiências com a nova tecnologia. Em junho de 1939, foi instalada, na Feira de Amostra do Rio de Janeiro, a 1ª Exposição de Televisão, inaugurada por Getulio Vargas (1882-1954). Receptores da marca Telefunken transmitiram, de forma restrita, imagens de artistas famosos da era do rádio, como os cantores Francisco Alves (1898-1952) e Dalva de Oliveira (1917-1972), que se apresentavam num estúdio montado no local. Apesar da repercussão na mídia da época, que saudou a televisão como “maravilhosa invenção” e “a extraordinária maravilha do século”, pouco se tem registro de como o público em geral reagiu. Mais tarde, ao longo de toda a década de 1940, revistas e jornais publicaram anúncios falando do novo invento, que ainda levaria alguns anos para ocupar um lugar nobre nas salas de visita dos brasileiros. Também pelo rádio, veículo mais popular daqueles anos, a população ouvia falar da televisão. E mesmo depois da sua inauguração, o preço extremamente caro dos aparelhos limitava a sua difusão.
Assis Chateaubriand (1892-1968), proprietário dos Diários Associados, fez todos os esforços para ser o pioneiro na implantação da televisão no Brasil. Durante quatro anos, os técnicos da futura TV Tupi foram aos Estados Unidos fazer estágio em emissoras norte-americanas para que pudessem se familiarizar com a nova tecnologia. Os equipamentos necessários para a montagem da emissora foram comprados em 1948 e só chegaram ao Porto de Santos em março de 1950. Estava quase tudo pronto para o início de uma história que está completando 60 anos. Mas ainda era preciso montar a emissora, resolver problemas técnicos, saber manejar aqueles equipamentos, montar os transmissores, enfim, aprender tudo sobre a nova tecnologia. Faltavam, sobretudo, os aparelhos necessários para o público ver televisão.
Desde abril daquele ano, vinham sendo realizadas emissões experimentais. Em 10 de setembro, ainda nessa fase de testes, foi ao ar um filme em que o ex-presidente Getulio Vargas fala do seu retorno à vida pública. Mas dias antes da inauguração, descobriu-se que não haviam sido importados os aparelhos receptores. Chateaubriand, então, providenciou a remessa supostamente ilegal de 200 aparelhos, espalhando-os por São Paulo, para que as imagens do primeiro dia de transmissão pudessem ser vistas.
A cerimônia de inauguração foi marcada para o dia 18 de setembro de 1950 e teve início às 17 horas, sem ser transmitida. Às 19 horas, descobriu-se um defeito em uma das três câmeras, o que fez com que o show inaugural só fosse ao ar após as 20 horas. No saguão do prédio da TV Tupi Difusora de São Paulo, na Rua Sete de Abril, homens de paletó e gravata e mulheres bem-vestidas se aglomeravam para ver, em um pequeno aparelho, a primeira transmissão. Imagens pouco nítidas e sons de qualidade técnica precária obrigaram todos a ficar em silêncio. Era a primeira vez que a televisão brasileira ia ao ar. Outros aparelhos foram estrategicamente colocados no Jockey Club de São Paulo, onde centenas de personalidades, segundo depoimentos da época, aguardaram a inauguração. Alguns receptores também foram espalhados pelas maiores lojas da cidade e instalados em algumas residências.
O primeiro programa transmitido pela Tupi foi “TV na Taba”, apresentado por Homero Silva, que teve ainda a participação de atores como Lima Duarte e Mazzaropi, e cantores como Hebe Camargo e Ivon Curi. Nos dias seguintes, foram ao ar, sempre das 17 às 22 horas – e com grandes intervalos entre um e outro –, musicais, teleteatros, programas de entrevistas e um pequeno noticiário: “Imagens do Dia”. Tudo ao vivo e com grande dose de improvisação. Nos intervalos, a imagem fugia da tela e era substituída por um cartaz – que mostrava o desenho do pequeno índio da TV Tupi, símbolo da emissora – para que o programa seguinte pudesse ser preparado.
Esse momento inicial da televisão brasileira era marcado pelo improviso e pela pouca disponibilidade de receptores, por causa dos seus altos custos. Estava sendo experimentada uma nova linguagem, que levaria pelo menos duas décadas para se estruturar. As reações daqueles que conseguiram ver televisão nesses primeiros tempos foram as mais diversas: alguns acreditavam que os artistas ganhariam vida a qualquer momento, podendo sair da tela e invadir a sala; outros se maravilhavam com a possibilidade de conhecer o rosto daqueles que antes tinham apenas voz, já que eram personagens cotidianos do rádio; outros ainda duvidavam que seus “ídolos tivessem aquela cara” ao vê-los nas imagens onduladas, pouco nítidas e imprecisas que a televisão oferecia.
Ter uma televisão em casa era símbolo de status. Os mais ricos convidavam os amigos para tomar o chá da tarde e assistir ao que estava passando, como constata uma reportagem da revista O Cruzeiro que foi para as bancas no dia 28 de outubro: “Hoje, na Pauliceia, entre as elegantes da sociedade, existe uma nova fórmula de convite para os encontros da tarde. Célia Maria telefona a Maria da Glória dizendo: ‘Venha tomar chá comigo e assistir à televisão’”.
Assim que os primeiros receptores começaram a ser produzidos no país, em 1951, Chateaubriand lançou uma campanha publicitária para estimular a compra de aparelhos. Mas o preço continuava proibitivo para a maioria da população: um aparelho de TV custava três vezes mais do que um produto que também era objeto de desejo da classe média: as radiolas. Em 1952, havia cerca de onze mil televisores em todo o país. Agora, segundo o Censo do IBGE, 95% dos lares brasileiros possuem televisores – algo em torno de 70 milhões de aparelhos, segundo dados do Pnad de 2008.
Gradativamente, a TV foi se tornando conhecida do público. Eram poucos os que podiam tê-la, mas muitos já podiam ver as imagens que saíam daquela caixa estranha, misto de rádio e cinema. Os vizinhos eram convidados ou se convidavam para ver os programas na casa dos que possuíam o aparelho: na hora das atrações de maior sucesso, os chamados “televizinhos” se espremiam nas poltronas da sala ou em assentos improvisados. As crianças olhavam fascinadas para as cenas em que bandidos enfrentavam mocinhos. Mas tinham que fazer o mais absoluto silêncio na hora do noticiário. Assim que a programação se encerrava, o som da televisão era encoberto pelos comentários. A escassez de receptores fazia com que essa experiência fosse coletiva, e recriava a atmosfera dos antigos saraus domésticos.
Nesse período, a televisão era considerada quase um artefato mágico, chegando a produzir reações curiosas da população. Uma notícia publicada na edição de janeiro de 1954 da revista Radiolândia descreve um fato ocorrido com a atriz Bibi Ferreira, tudo provocado pela atitude inesperada de um “telefan” – como eram chamados então os telemaníacos –, inspirado pela popularidade que ela havia conseguido após sua estreia na TV: “Que diria a leitora se, ao tomar um táxi, fosse desviada de seu caminho e levada para um distante bairro da cidade? Todos os casos de tarados, certamente, desfilariam em sua cabeça e o susto não haveria de ser pequeno. Foi o que aconteceu com Bibi Ferreira quando, ao tomar um táxi em São Paulo, foi reconhecida pelo chofer e levada para Vila Mariana, onde toda uma família e até televizinhos foram convocados pelo ardoroso fã para festejar sua presença”.
A televisão, já nesses primórdios, tinha o poder de transformar seus personagens em rostos conhecidos. Era preciso mostrar que Bibi Ferreira realmente existia para além da caixa de madeira que emitia luzes sob a forma de imagens pouco nítidas, mas não o suficiente para que os rostos deixassem de ser identificados. A televisão havia se transformado, definitivamente, no brinquedo mais fascinante do século XX.
Marialva Carlos Barbosa é professora da Universidade Tuiuti do Paraná e autora do livro História Cultural da Imprensa (Mauad, 2007 e 2010).
Saiba Mais - Bibliografia
MATTOS, Sérgio. História da televisão brasileira. Petrópolis: Vozes, 2002.
RIBEIRO, Ana Paula Goulart, SACRAMENTO, Igor & ROXO, Marco (org.). História da Televisão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010.
Especial TV - Telemania há 60 anos
Marialva Carlos Barbosa