Em São Paulo, a Rua General Osorio é conhecida como um dos melhores lugares para se comprar peças de motos. No Rio de Janeiro, a praça de mesmo nome ocupa lugar privilegiado: a uma quadra da praia de Ipanema. Em Porto Alegre, o general dá nome a uma praça a poucos metros do Rio Guaíba. Quase toda cidade do país tem uma rua, uma praça ou um colégio em homenagem a Manuel Luís Osorio: sinal de uma popularidade alcançada no século XIX graças à coragem no campo de batalha e ao seu bom humor.
O Brasil inteiro ficou conhecendo a coragem de Osorio durante a Guerra do Paraguai (1864-70), na qual sua atuação foi decisiva. Por duas vezes deixou o front – a primeira por problemas de saúde e a segunda por ter levado um tiro –, e em ambas fez questão de retornar às batalhas. Ao liderar a primeira tropa que invadiu o país vizinho, foi criticado por arriscar a vida e respondeu: “Eu precisava provar aos meus comandados que o seu general era capaz de ir até onde os mandava”.
Apesar da aparente dureza, era dono de um jeito brincalhão que o levava a manter um bom relacionamento com seus subordinados mesmo nos momentos tensos. Em plena Guerra do Paraguai, um militar chamado Paulo Alves, sabendo do gosto do general por poesia, mandou-lhe um poema pedindo uma promoção. A resposta de Osorio veio na mesma linha: “Quem faz versos tão formosos/ Há de ter grande talento/ E ser valente. Por isso,/ Defiro o requerimento./ Mas não se repita/ Que sai-se mal/ Falando em verso/ Ao general.”
O bom humor não impedia o reconhecimento de Osorio como líder. Chegou a ser chamado de “patrono informal” do Exército – em 1962 recebeu o título de patrono da Cavalaria, enquanto o duque de Caxias ganhou o de patrono oficial de toda a instituição. Era conhecido por falar a linguagem dos soldados: uma característica de quem não cursou a Academia Militar e começou a carreira vindo “de baixo”.
Osorio só ingressou no Exército porque seu pai, um militar que também se chamava Manuel Luís, não tinha recursos para mandá-lo à escola no Rio de Janeiro, como o rapaz desejava. Nascido em 1808 na atual cidade litorânea de Tramandaí, Osorio se mudou aos 13 anos para Salto, na então Província Cisplatina, hoje Uruguai. Lá aprendeu a escrever e a fazer contas com um professor improvisado.
Quando Osorio tinha 14 anos, D. Pedro proclamou a Independência. No ano seguinte (1823), seu pai foi combater em Montevidéu as tropas portuguesas que se recusavam a aderir à Independência do Brasil, e levou o filho para ser alistado no Exército. A vida militar de Osorio começou então aos 15 anos, no cerco de Montevidéu. Atuou também na guerra contra as Províncias Unidas do Rio da Prata (Argentina), entre 1825 e 1828, e voltou de lá com a patente de tenente do Exército.
Além de militar, Osorio se tornou fazendeiro ao comprar com o pai uma estância no noroeste do Uruguai. A renda dessa propriedade permitiu que ele desse a boa educação que não recebeu aos três filhos que criou com sua mulher, Francisca Fagundes de Oliveira, na cidade de Bagé, onde se instalou.
A obediência ao imperador, já demonstrada nas campanhas das quais participou no Uruguai, foi mais uma vez comprovada na Revolução Farroupilha (1835-1844), quando o Rio Grande do Sul esteve muito perto de se tornar independente do Brasil. Osorio lutou ao lado das forças do governo imperial, e após o conflito recebeu a patente de tenente-coronel.
Foi durante essa longa disputa que Osorio estreitou laços com um personagem que seria fundamental na sua carreira. O então barão de Caxias, futuro duque, foi seu superior e protetor político a partir de 1842. Nem as posições contrárias – Osorio era liberal e Caxias, conservador – impediram que nascesse a amizade entre os dois.
A intervenção de Caxias frustraria os planos do setor liberal progressista gaúcho, que tentaria por duas vezes (em 1859 e 1864) a transferência de Osorio para outra região do país. Isso porque, ao contrário de outros oficiais do Rio Grande do Sul, ele se recusara a assinar documento de apoio ao barão de Uruguaiana, presidente da província, que enfrentava forte oposição à sua administração.
Foi também o apoio de Caxias que levou Osorio a ser promovido a general, em 1864. Doze anos antes, ele já havia alcançado a patente de coronel após participar de mais um conflito internacional na bacia do Rio da Prata: a guerra na qual o Brasil, aliado ao general argentino Justo José Urquiza, derrotou o governador de Buenos Aires, Juan Manuel de Rosas, e seu aliado, o ex-presidente uruguaio Manuel Oribe.
Com a patente de general, Osorio partiu para o grande momento de sua vida militar: a Guerra do Paraguai. Em 1865, participou das negociações para a assinatura do tratado da Tríplice Aliança, em que Brasil, Argentina e Uruguai decidiam invadir o Paraguai governado pelo presidente Solano López.
Osorio foi promovido a marechal de campo e comandou a marcha de 500 quilômetros do Exército brasileiro do Uruguai a Corrientes, na fronteira da Argentina com o Paraguai. Quando as forças aliadas invadiram o território paraguaio, em abril de 1866, lá estava Osorio com o primeiro grupo que entrou no país vizinho. No mês seguinte, recebeu o título de barão do Erval. Sua popularidade cresceu mais ainda com a vitória dos aliados na Batalha de Tuiuti, a maior já disputada na América do Sul.
Uma inflamação no estômago e um inchaço na perna, causados pelo esforço na guerra, fizeram Osorio se retirar do Paraguai em julho de 1866, mas não o impediram de retornar em março do ano seguinte para colaborar com Caxias logo após a derrota aliada em Curupaiti. Promovido a tenente-general em 1867, Osorio continuou participando do enfrentamento direto com o inimigo. Levou um tiro na Batalha de Avaí, em dezembro de 1868, que lhe fraturou o maxilar. Com o queixo sustentado por um lenço amarrado no alto da cabeça, partiu para Pelotas, onde vivia sua família.
Apesar da condição física precária, voltou ao Paraguai em junho de 1869 a pedido do conde d’Eu, novo comandante-chefe das forças brasileiras. Sua função era levantar o moral da tropa e participar de novo combate com o inimigo, em Peribebuí. A saúde de Osorio piorou, e foi por sorte que escapou de morrer por septicemia – reação do organismo à falta de tratamento adequado das feridas. Em dezembro de 1869, partiu de volta para casa.
Encerrada a guerra e com a popularidade em alta, Osorio pôs em primeiro plano sua carreira política, que havia começado durante a Revolução Farroupilha, quando entrou para o Partido Liberal. Na época, ao contrário do que ocorre hoje, os militares da ativa tinham permissão para ocupar cargos eletivos. Em 1846, ele fora escolhido deputado provincial, mas não comparecera a nenhuma sessão da Assembleia em Porto Alegre. Permanecera no interior, como importante líder regional.
Em 1877, após sete anos de militância liberal, Osorio foi eleito senador e promovido a marechal de exército, graduação máxima da instituição. Na mesma época, sofreu uma grande perda. Chegou ao fim sua amizade com Caxias, de quem se afastou por causa de mal-entendidos sobre dois eventos na Guerra do Paraguai e de intrigas de terceiros.
Em 1878, o imperador decidiu dissolver o gabinete de maioria conservadora e chamou Cansanção de Sinimbu, um liberal, para organizar novo ministério. Osorio foi convidado para ser ministro da Guerra e aceitou. Composto de lideranças reformistas, o gabinete Sinimbu ficou dois anos no poder, sem conseguir promover as mudanças de que o Império necessitava.
Nesse curto tempo, Osorio exibiu seu estilo bonachão na Corte. Conta-se, por exemplo, que ele levou a Pedro II o nome de um coronel para ser promovido a general, mas a escolha não agradou ao imperador : “Dizem que é muito mulherengo”. O ministro da Guerra respondeu : “Isso é até uma virtude! Se isso impedisse promoção, eu ainda hoje seria soldado raso!”
Antes mesmo de o gabinete Sinimbu cair, Osorio precisou afastar-se por conta de uma pneumonia, que o matou. Mesmo nos derradeiros momentos, manteve o seu bom humor e a preocupação com a integridade territorial do país. Quando lhe perguntaram como ia, respondeu:
“Águas abaixo... para a eternidade”. E ao receber a visita de Sinimbu, recomendou-lhe “cuidado com as fronteiras do Império”. Morreu em outubro de 1879, aos 71 anos, sem ver, pelas mãos de seus colegas militares, a derrubada da monarquia, regime ao qual ele tanto se dedicou.
Francisco Doratioto é professor da Universidade de Brasília e autor de Osorio, a espada liberal do Império (Companhia das Letras, 2008) e de Maldita guerra: Nova História da Guerra do Paraguai (Companhia das Letras, 2002).
Saiba Mais - BibliografiaMAGALHÃES, J. B. Osorio: síntese de seu perfil histórico. Rio de Janeiro: Bibliex, 2008.
RUA SANTOS, Francisco. Osorio. Rio de Janeiro: Bibliex, 1967.
Saiba Mais - Internet
Fundação Parque Histórico Marechal Manoel Luís Osorio: www.osorio.org.br
Eterno general
Francisco Doratioto