Expedição lavrada em cartório

  • Clique na imagem para ampliar.Redigida pelo tabelião Diogo Martins em 17 de junho de 1656, esta é uma escritura de contrato de financiamento e exploração do sertão de Campos dos Goytacazes, no norte fluminense. Foi escrita com pena de ave e letra humanística cursiva característica do século XVII, de traçado irregular e leve, com inclinação à direita e de difícil leitura. Apresenta palavras unidas (estepublico, uiremque, ogentio, quetem). Há uso duplo da letra p, mas não constante. O traçado da letra E maiúscula e o l minúsculo são característicos da época, assim como o uso da letra u no lugar do v. O traçado da letra s é bem simplificado, tanto no meio como no fim das palavras, o til aponta para cima na continuação da última letra, a letra m surge no lugar do n e a letra i minúscula no lugar do j, mesmo como inicial de nome em tamanho maior. Não há uso regular de maiúsculas no início de nomes próprios nem de lugares. Algumas palavras do texto possuem grafia e sentido bem diferente das atuais (como é o caso de “comcerto” que tinha a conotação de “acordo” ou “contrato”). São usadas poucas abreviaturas, de fácil entendimento, mas as assinaturas são mais difíceis de ler.

    A escritura é um documento original, mede 22 cm por 32 cm, tem fólio duplo, é encadernada e apresentada na forma jurídica padrão para a redação de documentos oficiais naquele século. Hoje faz parte do Fundo de Administração Pública e está sob a guarda do Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho, em Campos dos Goytacazes. O códice onde se encontra contém fragmentos de livros de notas de diferentes épocas, entre 1649 e 1712, reunidas em um só volume em 1817, possivelmente por estarem muito danificados. São procurações, escrituras, contratos, doação de sesmarias, alforrias e outros tipos de documentos oficiais, preservados pela Câmara Municipal.

     

    Carlos Roberto Bastos Freitasé diretor do Arquivo Público Municipal de Campos dos Goytacazes.

     

     

    Um certo “mandador” André

     

    A escritura revela costumes da época, como tornar pública e registrar uma operação de financiamento para busca de riquezas (ouro ou outro produto). Relaciona o fornecimento dos apetrechos necessários à empreitada (espingarda, pólvora, balas e vestuário) e presentes (“resgate”) para o gentio (índios de várias etnias que viviam na região), e especifica como será a partilha de tudo o que for encontrado na expedição. O motivo eram notícias de que havia riquezas a serem descobertas. Para todos os efeitos legais, o Capitão André é o “mandador”, o responsável pela busca, uma forma de garantir direitos futuros sobre o que fosse encontrado. O documento foi produzido antes de a vila de São Salvador ser oficialmente criada (1677). Em função da distância da vila mais próxima (Cabo Frio, a quase 200 km), havia um tabelião oficial que atendia aos moradores que viviam próximo ao rio Paraíba do Sul.

     

     

    Solução do “Decifre”

    Transcrição de escritura de Andre Martins da Palma – 1656

     

    Canto superior direito: duas numerações e duas rubricas diferentes – Azevedo 18 e Nunes 89

     

    escritura que mandou fazer o Cappitam Andre Martins da palma de com

    certo que fez Com Ioaquim Penedo

     

    Saibão quantos este publico estromento de escritura de Com

    certo uiren que no anno do nacimento de nosso senhor iesu Cristo

    de mil e seis centos Sincoenta e Seis annos aos dezacette

    dias do mês de iunho do dito anno em pouzadas do Capitam

    Andre martins da palma nesta pouoassam de Sam Saluador

    aonde eu escriuão fui chamado e sendo la logo perante                              

    as testemunhas abaixo nomeadas e ao diente asinadas

    pediu que elle se tinha Comcertado com Joaquim penedo

    para que fosse ao certão descobrir algua mina de ouro, ou outro

    qualquer auer, para o que lhe deo todo o necessario, Espingarda

    polura e ballas, h? uestido, e resgatte para o gentio, e que

    de tudo o que o dito Ioaquim penedo achar lhe dará a metade

    E o dito Capitam o auiou de todo o necessario e o manda por no

    ticias que tem do que há no dito certam. E o dito Ioaquim penedo

    aceitou o dito comcerto, e disse que estaua por elle, e que bem

    Comtente; ficando sempre o dito Cappitam Com lugar de

    Mandador, pois he o que manda e da todo o necessario para

    o tal efeito, e ter noticias do que há no dito certam, e por sua

    uia uai o dito Ioaquim penedo e de como assim ficarão

    ambos comtentes e deacordo Mandarão fazer esta escrip

    tura em que asinarão; testemunhas que forão prezentes

    o Sargento mor Antonio machado de miranda, E gaspar

    dauide dalvarenga pessoas de mim escriuão reconhecidas

    e aqui moradores que a asinarão, e eu diogo martins escriuão

    que escreui.

    [assinaturas] Joaquim penedo    Andre martins da palma

    gaspar dauide daluarenga      Antonio machado de miranda

     

    Nota: as letras sublinhadas referem-se a desdobramentos de abreviaturas.