Entre os anos de 1855 e 1865, plateias teatrais do Rio de Janeiro assistiram à encenação de várias comédias realistas. Houve verdadeiro frisson entre críticos e literatos, porque elas faziam parte de uma dramaturgia nova, sucesso na Europa. De acordo com a nova estética, o palco deveria proporcionar lazer e diversão à sociedade, mas, acima de tudo, funcionar como “escola de costumes”. Esperava-se dos dramaturgos realistas que se inspirassem na realidade do seu tempo levando para o palco questões comoo casamento, o adultério e a prostituição, os dois últimos tratados como ameaças sociais.Dentro desta concepção realista, contudo, à versão teatral deveriam ser adicionados corretivos, tornando-a modelo digno de ser visto e seguido pela sociedade. Desta maneira, versão e lição se transformavam em requisitos básicos para um teatro com sentido notadamente pedagógico.
O governo imperial também aderiu à ideia de educação através do teatro. Tanto que, quando da fundação do Conservatório Dramático Brasileiro (1843), seus membros foram convidados a exercer a função de censura teatral do
Império. O Conservatório foi projetado para ser uma associação de natureza literária, que teria por objetivo promover a dramaturgia no Brasil. Ao assumir funções censórias, no entanto, seus membros abandonaram paulatinamente o objetivo inicial e se concentraram em analisar, mutilar ou proibir a encenação das composições que considerassem influências “perigosas” para a sociedade, como, por exemplo, posicionar-se a favor da abolição da escravidão numa sociedade que erigiu suas bases de sustentação sobre esta instituição.
Documentos do Conservatório, como pareceres de censura, livro de atas e livro de registros, encontram-se na Biblioteca Nacional. Sobre eles tenho me debruçado desde 1993, e sempre me surpreendo com a riqueza de informações. De pareceres aparentemente insossos e áridos podem emergir novas possibilidades de questionamentos e de interpretações. A documentação é pródiga, por exemplo, em indícios sobre as relações tensas e conflituosas entre censores, dramaturgos, atores, empresários, polícia e plateias, que possibilitam ampliar a forma de abordar o fenômeno teatral para além da tríade autor/ator/público. Por meio dela pode-se perceber que o sucesso do teatro musicado não consegue ser explicado a partir do argumento da “incapacidade” das plateias de discernir arte de entretenimento, como durante muito tempo se fez. Machado de Assis (1839-1908), crítico brasileiro mais significativo do século XIX, foi um dos que defenderam esta ideia. E através dela pode-se perceber também que o sucesso de alguns dramaturgos, como Francisco Correa Vasques (1839-1892), Antônio de Souza Martins e Dias Guimarães, nomes sobre os quais a memória do teatro brasileiro silenciou, contradizem uma tradição de estudos que por longo tempo privilegiou as obras escritas por teatrólogos de renome como José de Alencar (1829-1877) e Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), conferindo-lhes centralidade na forma de pensar a dramaturgia.
Silvia Cristina Martins de Souza é professora da Universidade Estadual de Londrina e autora de Carpinteiros teatrais, cenas cômicas e diversidade cultural no Rio de Janeiro oitocentista: ensaios de história social da cultura (Eduel, 2010).
Farsa nos bastidores
Silvia Cristina Martins de Souza