Faxina interrompida

Lucilia de Almeida Neves Delgado

  • Carismático e performático, um espanto com o qual os eleitores jamais haviam se deparado, Jânio da Silva Quadros (1917-1992) foi eleito presidente do Brasil em 1960, depois de uma disputa acirrada com o marechal Henrique Teixeira Lott (1894-1984). Afora São Paulo, o país pouco sabia sobre ele, mas logo prestou atenção em peculiaridades de sua personalidade num cenário de confronto entre getulistas e antigetulistas, ambos com projetos muito diferentes para o Brasil.

     A vassoura, emblema principal da campanha janista, representava uma pregação moralista que tinha como principal conteúdo críticas ao que Jânio denominou de corrupção desenfreada do governo JK, quando da execução de seu projeto desenvolvimentista. A pregação de Quadros conquistou contingentes da classe média e mobilizou o apoio da União Democrática Nacional (UDN) à sua candidatura.

    A espada, símbolo da campanha do marechal Lott, expressava a opção nacionalista e desenvolvimentista do candidato e de seus principais aliados, reunidos no Partido Social Democrático (PSD) e no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O desenvolvimento postulado por Lott deveria combinar ordem social com amplo favorecimento aos investidores nacionais.

    A UDN, ao contrário, caracterizava-se como antigetulista e elitista. Assim se manteve por anos seguidos. O afastamento da população era obstáculo à conquista de votação suficiente para eleger um presidente.

    As performances incluíam ternos amassados com bolsos cheios de sanduíches de mortadela

    embrulhados em papéis engordurados

      A UDN perdeu três eleições presidenciais consecutivas. A de 1945, quando foi eleito o pessedista marechal Eurico Gaspar Dutra (1883-1974). A de 1950, que consagrou nas urnas o retorno de Getulio Vargas (1882-1954), e em 1955 JK (1902-1976) venceu as eleições em parceria com João Goulart (1919-1976), candidato à vice- presidência pelo PTB.

    Em 1960, os udenistas decidiram não apresentar candidato próprio às eleições. Sua estratégia foi a de apoiar Jânio Quadros, que se tornara muito popular em São Paulo. Motivos relevantes orientaram essa decisão. O discurso de Jânio coincidia com sua pregação liberal, moralista e antiestatista (significava um modelo de governo com planejamento e intervencionismo estatal). Além disso, Quadros era carismático. Seu estilo poderia atrair os votos populares que a UDN não conseguia.

     Jânio Quadros nasceu em Campo Grande, Mato Grosso. Foi criado em Curitiba e depois em São Paulo, onde se formou na Faculdade de Direito da USP. Começou na vida pública em 1947, como vereador de São Paulo, pelo PDC (Partido Democrata Cristão). Seu mandato foi muito propositivo e o credenciou a se candidatar a deputado estadual. Sua eleição foi sacramentada por votação estrondosa, sendo o mais votado no ano de 1950.

    Candidatou-se a prefeito da maior cidade do Brasil apoiado pelo PDC e pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro). Com poucos recursos, enfrentou uma aliança eleitoral formada por sete partidos. Sua estratégia foi a de reforçar sua forte identidade com as camadas pobres. O slogan de sua candidatura era “o tostão contra o milhão”. Teve votação consagradora.

    Exerceu a função de prefeito somente nos anos de 1953 e 1954, pois decidiu concorrer à eleição para governador. Por essa época, sua filiação partidária mudou para o PTN (Partido Trabalhista Nacional). Essa eleição foi mais difícil que as anteriores, pois seu concorrente era o líder populista Adhemar de Barros (1901-1969). Conseguiu vencer, embora com o desempenho pífio de apenas 1% de diferença.

    Como governador, as marcas principais de seu mandato foram o empreendedorismo administrativo e econômico, e um discurso moralista no que se referia aos gastos públicos. A essas características somavam-se ações assistencialistas e um estilo peculiar de governar. Eram comuns visitas de surpresa a repartições e obras públicas. Esses acontecimentos faziam a festa da imprensa e eram por ele explorados com especial competência de autopromoção.

    Em 1958, foi eleito deputado federal pelo Paraná. Essa mudança de domicílio eleitoral pode ser considerada uma demonstração de seu propósito de ampliar sua projeção política para além de São Paulo. Planejava, em um futuro próximo, concorrer à Presidência. Não tomou posse, pois preferiu se dedicar às eleições presidenciais.

     Para tanto, abusou de um estilo político que mesclava erudição com artifícios eleitoreiros, como o de jogar talco nas ombreiras de seus ternos para se identificar com os humildes que “tinham caspa”. Usava ternos amassados, gravatas desalinhadas e com nós frouxos. Completava esse estilo trazendo nos bolsos sanduíches de mortadela embrulhados em engordurados papéis de pão.

    Sua campanha à Presidência foi eloquente e moralista, pois pregava maior transparência nos gastos públicos e moralização de costumes.  O slogan “Varre, varre, vassourinha. Varre, varre a bandalheira”traduziu sua crítica ao governo de Juscelino. Sua mensagem empolgava multidões, que usavam vassourinhas presas às roupas. 

    A disputa eleitoral entre Jânio e Lott foi acirrada. Os udenistas, estimulados pela popularidade de Jânio, fizeram uma festa na política. Assumiram sua candidatura como se fosse a de um membro da UDN.

    O resultado da eleição deixou os udenistas eufóricos. O número expressivo de 5.600.000 votos era consagrador. Mas a História atropelou e desfez os planos daqueles que acharam que pelas mãos de Jânio alcançariam finalmente o pleno direito de governar o Brasil.

    Jânio Quadros foi o primeiro presidente a tomar posse em Brasília. Seu governo, que durou apenas sete meses, foi curto, intenso e contraditório. O estilo de governar era pouco convencional. Utilizou o recurso de comunicar-se com ministros e assessores por meio de memorandos, apelidados de “bilhetinhosdopresidente”.

    As explicações para a renúncia nunca foram satisfatórias,

    e analistas afirmam que a intenção era voltar ao poder nos braços do povo

     Seu ministério, composto, na maioria, por políticos da UDN, incluiu oficiais militares conservadores ligados à Cruzada Democrática – movimento de militares conservadores, criado na década de 1950, que viria a participar decisivamente do golpe de 1964.  No campo econômico, tendo à frente do Ministério da Fazenda o banqueiro Clemente Mariani (1900-1981), lançou um programa monetarista e anti-inflacionário. Desvalorizou o cruzeiro, congelou salários e reduziu créditos. Queria incentivar as exportações, reduzir as importações e equilibrar as finanças brasileiras. Para viabilizar seu plano econômico, buscou o respaldo do Fundo Monetário Internacional.

    Essas medidas agradaram aos adeptos da adoção de um programa econômico liberal internacionalizado para o Brasil. Mas as contradições que caracterizaram o mandato de Jânio logo demonstrariam que suas orientações e ações eram, no mínimo, imprevisíveis. No início do mandato, encaminhou dois projetos ao Congresso Nacional. Um de lei antitruste e outro de criação de uma Comissão Administrativa de Defesa Econômica da nação, ambos recusados por deputados e senadores. Decepcionado, decidiu adotar uma forma de governar que prescindisse de interlocução com o Congresso. Na verdade, seu estilo sempre tendeu a ser personalista e solitário.

    O melhor exemplo do voo personalista de Jânio e de seus paradoxos como governante foi a adoção de uma política externa independente, inspirada nas proposições de Santiago Dantas, político do PTB, partido ao qual a UDN sempre se opôs. Essa orientação gerou protestos de políticos e de jornais como O Globo, O Estado de S. Paulo e Tribuna da Imprensa.

    Carlos Lacerda (1914-1967), ao perceber que Jânio fugiria rapidamente do controle da UDN, posicionou-se na artilharia de críticas, acusando-o de golpista. A base política de sustentação de Quadros, que já vinha oscilando, praticamente se desfez. Sem condições de governar, no dia 25 de agosto de 1961 Jânio Quadros surpreendeu a nação ao apresentar sua carta de renúncia.

    As interpretações sobre a renúncia do presidente Jânio Quadros nunca foram satisfatórias. Alguns analistas afirmam que sua intenção era encontrar apoio na população para poder governar com maior autonomia. Ou seja, ele havia planejado um golpe branco.

    A atitude de Jânio acabou por desacreditá-lo e levá-lo ao ostracismo por muitos anos. Em 1962, candidatou-se outra vez ao governo de São Paulo, mas foi derrotado por Adhemar de Barros. Em 1964 ocorreu o golpe político que depôs João Goulart e implantou um regime autoritário. O nome de Jânio apareceu na primeira lista de cassações divulgada pelo Comando Supremo da Revolução. Ele passou, então, a dedicar-se a atividades privadas.

    Seu retorno à vida pública se deu anos depois, em 1986, quando o regime militar já havia acabado. De volta ao começo, ele o fez pelas portas da prefeitura de São Paulo, onde, após derrotar Fernando Henrique Cardoso nas urnas, exerceu seu derradeiro mandato político.

     

    Lucilia de Almeida Neves Delgadoé professora da Universidade de Brasília e da Universidade Federal de Minas Gerais, e autora de PTB: do getulismo ao reformismo (1945-1964) (LTR, 2011).

     

    Saiba Mais

    BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. A Renúncia de Jânio Quadros e a Crise Pré-64.São Paulo: Editora Brasiliense, 1979.

    BENEVIDES, Maria Vitória de Mesquita. O Governo Jânio Quadros. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982.

    FERREIRA, Jorge. “Crises da República: 1954, 1955 e 1961”. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano: o tempo da experiência democrática, vol. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

    MAYER, Miguel e XAVIER, Libânia. “Jânio Quadros”. In: ABREU, Alzira Alves de e BELOCH, Israel. Dicionário Histórico e Biográfico Brasileiro. Pós 1930. Vol. IV. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 2001.