Às seis horas da manhã, o toque da caixa anuncia que as atividades do dia estão começando. É assim nos nove dias que antecedem a festa de Pentecostes, em Formosa, município de Goiás. Os foliões, montados em seus cavalos, formam um grande coração em frente à porteira da fazenda que lhes oferecerá pouso. Em seguida, iniciam-se os cânticos religiosos populares e versos improvisados pelos cantadores, o jantar comunitário e as danças folclóricas. A peregrinação só termina no domingo de Pentecostes, quando acontece uma missa solene e os cavaleiros são recebidos pela multidão que “abraça” a Igreja da Matriz. Essa é uma das manifestações culturais mapeadas por professores dos cursos de história, antropologia e comunicação social da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Católica de Brasília, que dão forma ao catálogo do Patrimônio Imaterial da Região Integrada do Distrito Federal e Entorno, que será lançado no próximo mês.
O projeto envolve cinco municípios: Formosa, Corumbá de Goiás, Santo Antônio do Descoberto, Luiziânia, em Goiás, e Buritis, em Minas Gerais. “As cidades do entorno do Distrito Federal são ricas culturalmente, mas não tem a visibilidade que merece. Os saberes, celebrações e os fazeres narram uma história que precisa ser contada”, afirma a historiadora e coordenadora do projeto, Maria Thereza Negrão. A religiosidade é o ponto em comum das cinco cidades. Em um ano de pesquisa, foram identificados 34 bens imateriais na região, como a Folia de Reis e a Festa do Divino Espírito Santo, comuns a todos os municípios.
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Em Corumbá de Goiás, por exemplo, as tradições festivas são passadas de pai para filho. As músicas falam de amizade e companheirismo e são recebidas como algo divino. Durante a Folia de Reis, os foliões participam de uma peregrinação, carregam a bandeira que simboliza os Reis Magos e fazem duas paradas por dia na casa de moradores da região, que oferecem abrigo e comida. “Acredita-se que as famílias que deixam a bandeira entrar recebem a benção divina”, explica Rosa Virginia Melo, antropóloga da UnB. Já a Folia do Divino Espírito Santo é representada pela pomba branca que fica estampada na bandeira dos foliões. “A idéia é que quando Jesus ressuscita, desce para a Terra na forma de um pombo, que é honrado”, diz Rosa.
Ao fim do projeto, além do catálogo, que será distribuído gratuitamente para as bibliotecas das cidades participantes e das universidades de Brasília, será produzido um documentário reunindo as expressões culturais das cidades e ainda um livro, com artigos dos pesquisadores responsáveis por cada município. O objetivo é que as manifestações de cada cidade possam ser registradas como bem imaterial brasileiro, título concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) aos saberes populares.