Fazia exatamente três anos que Floriano Peixoto havia morrido. Como de hábito, um grupo seguiu em procissão rumo ao cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. Era dia de expressar devoção à memória do ex-presidente. Chegando ao jazigo, deixaram ali sua reverência. O opúsculo intitulado À sacrosanta memória do grande brazileiro Marechal Floriano Peixoto: Humílima homenagem de um grupo de republicanos reconhecidos e fiéis – cuja cópia está sob a guarda do setor de Obras Raras da Biblioteca Nacional – é um conjunto de textos e poesias que exaltam a memória do Marechal.
Presidente da República entre 1891 e 1894, Floriano Peixoto teve o curso de sua gestão marcado por dois embates: a Revolução Federalista, no Rio Grande do Sul, e a Revolta da Armada, no Rio de Janeiro. Na primeira, os federalistas do sul lutavam pela destituição de Júlio de Castilhos da Presidência do estado. Na segunda, os líderes da Revolta queriam que Floriano – substituto do ex-presidente Deodoro da Fonseca, que renunciou em 1891 – convocasse novas eleições presidenciais.
Nada feito: os movimentos foram duramente reprimidos pelo governo e o presidente ganhou a fama de Marechal de Ferro. Seu estilo autoritário conquistou simpatizantes. Os admiradores mais exaltados, que ficaram conhecidos como florianistas, defendiam sua permanência no poder pelo tempo que fosse necessário, a fim de evitar o desmoronamento da República. Mas Floriano não demorou para deixar o cargo, que em 1894 foi ocupado pelo recém-eleito Prudente de Morais, o primeiro presidente civil da República.
Os seguidores de Floriano não se conformaram. Achavam que Prudente de Morais não tinha a firmeza do Marechal, e nutriam a expectativa de que o ex-presidente retornasse algum dia ao poder. Esperanças que foram sepultadas de vez junto com seu líder, no dia 29 de junho de 1895.
O opúsculo deixado aos pés do túmulo, porém, mostra que o legado de Floriano manteve-se vivo por alguns anos, mobilizando um público diverso. Entre os autores que participaram da homenagem na pequena publicação estão nomes famosos, como os dos poetas Arthur Azevedo e Luiz Gama, e o do político e jornalista Alcindo Guanabara. Mas nas páginas do folheto também figura gente comum, entre civis, militares, funcionários públicos e jornalistas. Todos unidos pelo luto. “Consta que pretendem – ou pretenderam – substituir pelo nome de Pátria o nome de Floriano Peixoto, dado a um de nossos navios de guerra. Ociosa substituição: Floriano e Pátria são sinônimos”, escreve Arthur Azevedo. Xavier Pinheiro, um dos biógrafos do Marechal, também deixou sua contribuição no opúsculo, afirmando que “por mais feliz que seja a República, nunca o será inteiramente, porque a desgraça feriu-nos com muita crueldade, roubando Aquele que tanto soube amá-la e engrandecê-la”.
Em seu texto, sob o título “Inolvidável Herói”, Alcindo Guanabara chama a atenção para o esquecimento dos feitos do marechal: “Hoje, que ele está prostrado, a sua obra é condenada, a sua memória é proscrita, o culto ao seu nome é apontado como um elemento de sedição e um ídolo para fanáticos”. Guanabara possivelmente se refere ao famoso episódio envolvendo o escritor Raul Pompéia. Em uma das homenagens a Floriano Peixoto, em 1895, Pompéia fez um discurso inflamado em defesa da memória do recém-falecido ex-presidente, o que lhe rendeu a demissão do cargo de diretor da Biblioteca Nacional. Inspirado pelo caso, o jornalista e poeta Luiz Murat escreveu o artigo “Um louco no cemitério”, criticando Pompéia por sua conduta. Acredita-se que o texto de Murat – publicado no jornal O Commercio de São Paulo em 16 de outubro de 1895 – teria contribuído para o suicídio de Pompéia, no Natal daquele ano.
Alguns textos do opúsculo dão a impressão de que havia até certo fanatismo entre os seguidores de Floriano. Fabio Luz, por exemplo, estava certo de que “a tradição o transformará em semideus”. No entanto, o que se viu nos anos posteriores à morte do Marechal não foi sua transformação em semideus, mas sim o gradual desaparecimento dos florianistas.
Floriano não morreu
Christianne de Jesus