Rangoé, sem dúvida, o personagem mais conhecido do cartunista gaúcho Edgar Vasques. Sua primeira tira foi publicada em 1970 na revista Grilus, do Diretório Acadêmico da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no auge da ditadura militar. Incomodando o sistema – que se mantinha na base da censura e do ufanismo –, essa criação, ao lado de outros quadrinhos de humor e contestadores, traduzira a angústia do povo.
As tiras humorísticas, que começaram a se multiplicar no Brasil ao longo da década de 1970, tinham a imprensa alternativa como celeiro preferencial de criação. Eram quadrinhos críticos, bem ou mal-humorados, mas que faziam uma reflexão sobre a situação política e a ideologia capitalista. Nenhum deles, contudo, teve o mesmo impacto de Rango, que representava uma escória social típica de um Brasil onde muita gente vivia no limite da condição humana, e cujas desventuras produziam imagens fortes demais para os meios de comunicação de massa e para o estômago de muitos leitores. O personagem chegava a disputar sobras de comida com cachorros para poder alimentar o filho. Ainda assim, as tiras de Rango saíam na Folha da Manhã, de Porto Alegre, e logo migraram para a imprensa nanica – como também eram chamados os jornais tabloides e alternativos no início dos anos 1970.
Coerente com a proposta política do personagem, Vasques causou grande impacto no universo das tiras ao criar uma imagem que se opunha diretamente à dos quadrinhos comerciais. Rango tinha uma protuberância que representava uma barriga, ao mesmo tempo inflada e faminta, cujo ronco tomava ares de manifestação de fome e protesto contra a situação de penúria predominante em boa parte do país. Apesar de todo o discurso oficial de erradicação da miséria, hoje Rango ainda denunciaria nossa incômoda realidade social.(...)
Leia este texto na íntegra na edição de agosto.
Fome de Rango
Henrique Magalhães