Gaúchos de sangue italiano

Bernardo Camara

  • No miúdo Vale Vêneto, a 250 quilômetros de Porto Alegre, a esmagadora maioria dos 600 habitantes é de italianos e seus descendentes. Quando se reúnem, os moradores mais antigos fazem questão de prosear no dialeto vêneto, trazido do Norte da Itália. Os mais novos, porém, já se habituaram ao português e ao inglês. No único colégio estadual da região, são essas as línguas ensinadas. Mas a Secretaria municipal de Educação e Turismo está mudando o panorama.

    “Fizemos parcerias com associações culturais que temos por aqui e introduzimos o italiano como segunda língua nas escolas municipais”, conta a secretária Maria Claci Bortolotto, cujas raízes também estão do outro lado do Atlântico. Além disso, um projeto interdisciplinar está levando os alunos à casa dos habitantes mais idosos para que pesquisem sobre suas origens. “Eles entrevistam essas pessoas para resgatar a história local. E no fim do ano apresentam o conteúdo à comunidade”.

    As medidas fazem parte de um plano mais amplo para que a italianidade da região não se perca pelo caminho. Distrito do município de São João de Polêsine, o vale foi batizado de Vêneto por causa da onda de imigrantes que chegaram no século XIX, atraídos pela terra fértil. Por ali, a lavoura ainda é cultivada no braço e as comidas ainda são caseiras. E para que a música, a literatura e as danças típicas não se dispersem, todos os anos há pelo menos três grandes festas tradicionais organizadas no vale.

    Regados a vinho, os eventos fazem a cultura italiana circular à vontade, e já chamam a atenção fora das fronteiras locais. “O Vale Vêneto é o único distrito turístico da região. Justamente porque aqui é um dos lugares em que mais se preserva essa cultura”, diz José Paulo Marcuzzo, cuja família chegou da Europa há três gerações. “O turismo está sendo muito desenvolvido, e temos recebido muitas excursões da própria Itália”.

    Um dos locais que os turistas não deixam de visitar é o Museu do Imigrante, fundado há 31 anos pelo já falecido pai de Marcuzzo. Hoje, é ele o responsável pelo acervo que, faz questão de dizer, continua sendo ampliado. São inúmeros retratos, manuscritos, instrumentos musicais e de trabalho que contam a história dos “gaúchos italianos”.

    “Ainda mantemos esse trabalho de recolher peças que sirvam para o museu. Se não fizermos alguma coisa, quem perde somos nós. Um povo sem memória é um povo sem história”, afirma José Marcuzzo, amparado pela conterrânea Maria Claci. “O museu é um dos mais ricos da região. São poucos os lugares onde nossa história está guardada”, diz.

    Resistindo ao tempo, os descendentes de sangue italiano mantêm o compromisso de fazer sua cultura permanecer de pé. “Os mais antigos, que detêm a nossa história, estão partindo. Temos que agir. Senão, o que vamos dizer aos nossos netos?”, questiona Marcuzzo, com o sotaque carregado.