Uma das comprovações da popularidade de Poti ou Potiguaçu entre os brasileiros de todas as etnias é a disputa pela sua naturalidade. Ceará, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte travam um embate para ser a terra onde teria nascido o posteriormente batizado Antonio Filipe Camarão – Antonio, para o santo do dia do batismo, 13 de junho de 1612, Filipe em homenagem ao monarca espanhol, que na época comandava o Brasil, e Camarão, como tradução para o português de Poti. Pudera. O índio da etnia potiguar foi um dos soldados mais atuantes pelo lado dos portugueses nas batalhas contra os holandeses do Nordeste brasileiro no século XVII.
Além de não se saber onde exatamente Filipe Camarão nasceu, também não se tem certeza do quando – supõe-se por volta de 1580. Pode-se afirmar apenas que foi educado pelos jesuítas, que o ensinaram, além do português, latim. Há ainda informações de que teria aprendido o holandês. Era muito cioso no trato com a língua e se transformou em uma espécie de intermediário cultural. Mas não foi por isso que ele se tornou um personagem marcante da historiografia.
Camarão foi um guerreiro de primeira hora na luta contra os batavos. Desde 1630, participou da resistência organizada por Matias de Albuquerque na reconquista de Olinda. Junto aos potiguares, e ao lado de sua mulher, Clara Camarão, Filipe comandou ações de guerrilha, essenciais para impedir a progressão dos holandeses, inclusive tendo participado da batalha de Mata Redonda (1638) em defesa de Salvador, que estava sendo atacada pelas tropas de Maurício de Nassau, líder dos holandeses.
Quando estourou a chamada Insurreição Pernambucana, em 1645, que tentava expulsar em definitivo os holandeses do Brasil, Filipe Camarão se juntou, entre outros, ao português João Fernandes Vieira, ao natural do Brasil André Vidal de Negreiros, e ao filho de escravos Henrique Dias para liderar os potiguares. Na primeira batalha dos Guararapes, em 1648, comandou a ala direita do exército que derrotaria os flamengos.
A participação de Filipe Camarão foi tão importante que ele, que já havia sido agraciado com o título de “Dom”, também recebeu os títulos de “Capitão-mor e Governador de todos os índios do Brasil”, e a comenda “Cavaleiro da Ordem de Cristo”. Séculos depois, tornou-se um dos personagens principais da tela de Victor Meirelles sobre o conflito. Mais que honrarias, os títulos também colocavam a elite local em um lugar desconfortável – ao lado de um índio, principalmente depois que o nome Camarão se tornou um título.
Faleceu em 24 de agosto de 1648, com cerca de 68 anos, em consequência de ferimentos sofridos na batalha. Sem ver os holandeses expulsos.
Saiba Mais - Bibliografia
GONÇALVES, Regina Célia; CARDOSO, Halisson Seabra et al. “Povos indígenas no período do domínio holandês: uma análise dos documentos tupis (1630-1656)”. In: OLIVEIRA, Carla Mary S.; MENEZES, Mozart Vergetti de & GONÇALVES, Regina Célia (orgs.).Ensaios sobre a América portuguesa. João Pessoa: UFPB, 2009.
LOPES, Juliana. A visibilidade do primeiro Camarão no processo de militarização indígena na capitania de Pernambuco no século XVII. Revista Anthropológicas, ano 9, vol.16 (2), p. 133-152, 2005).
Governador de todos os índios
Ronaldo Pelli