“Servi em Colômbia com os mais distintos chefes, e apesar de muitas intrigas de que fui vítima, adquiri a reputação de um chefe valente, ilustrado e muito fiel (...) eu não tinha pátria, e fiz da Colômbia minha pátria”. O texto emocionado é o trecho de uma carta escrita em 18 de setembro de 1868 por José Inácio de Abreu e Lima (1794-1869) para o general José António Páez (1790-1873), um dos líderes das lutas de emancipação da Venezuela e da Colômbia.
Algumas das intrigas às quais Abreu e Lima se refere são explicadas na mesma carta: ele teria sofrido por ser estrangeiro. Natural de Pernambuco, aos 23 anos, depois de ter participado da Revolução Pernambucana (1817), ter sido preso e assistido à execução do pai pelo Exército português, Abreu e Lima decidiu lutar pelos ideais da independência com mais fervor. Alistou-se, então, no exército de Simón Bolívar (1783-1830), alcançando a patente de chefe do Estado-Maior do Exército Libertador.
Abreu e Lima foi um dos brasileiros que lutaram sob outras bandeiras não por questões pessoais, e sim por uma ideologia. Sua meta era a liberdade. Embora pouco lembrado no Brasil, no Monumento dos Próceres, em Caracas, seu nome é o primeiro da lista de generais de brigada, e vem seguido de um texto de agradecimento: “A nação venezuelana expressa sua gratidão aos oficiais estrangeiros que contribuíram para a causa da independência”.
O historiador Vamireh Chacon, autor da biografia Abreu e Lima: general de Bolívar, dedicou-se a pesquisas sobre o personagem inclusive nos arquivos de Caracas e Bogotá, e confirma que ele é, de fato, mais lembrado nesses países. “Ele é muito mais reconhecido na Venezuela, na Colômbia e no Equador do que no Brasil, mesmo tendo sido o autor do primeiro livro brasileiro sobre o socialismo (O Socialismo, de 1855)”. Recentemente, o nome do general tem sido lembrado por ter inspirado o batismo de um empreendimento da Petrobras, a Refinaria Abreu e Lima, em construção em Pernambuco. Sobre isto, Chacon lembra um detalhe: “O nome da refinaria foi uma sugestão de Hugo Chávez, e não dos brasileiros”, lamenta.
Outro combatente pela liberdade em terras estrangeiras foi Apolônio de Carvalho (1912-2005). Militante do Partido Comunista Brasileiro, participou da Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e da Resistência Francesa (1940-1944) ao nazismo. Ele não foi o único brasileiro a lutar contra os milicianos de Francisco Franco, na Espanha. Segundo o historiador Adler Homero de Castro, “pode-se estimar em torno de 35 brasileiros combatentes neste conflito”. Além de Apolônio, o Partido Comunistaenviou 18 brasileiros para combater nas brigadas internacionais, que contavam com milhares de voluntários. Do Brasil também partiram imigrantes que se uniram ao exército popular.
Em entrevista para o documentário “Vale a pena sonhar”, de Stela Grisotti e Rudi Böhm, Apolônio falou de seu entusiasmo ao partir para a Espanha: “Eu tinha uma preocupação muito grande de chegar depressa, porque meti na cabeça que ‘se me demoro, a república vai cair’. [A república] precisava da minha chegada”. No mesmo filme, o historiador Antonio Candido deu um depoimento sobre sua admiração pelo militar. “O desempenho dele na guerra da Espanha mostra, em primeiro lugar, um grande militar e um grande organizador. Ele foi um artilheiro de primeira ordem, de modo que, profissionalmente, ele foi um homem de exceção”, diz Candido, que também exalta outras qualidades de Apolônio: “Ele não perde um grama, um centímetro da firmeza e da capacidade de luta, e tem, ao lado disso, uma extraordinária doçura e uma extraordinária tolerância”.
Entre amigos, Apolônio dizia que a guerra civil era a mais romântica que já havia existido. “Foi o maior exemplo de solidariedade humana da sociedade. Foram 40.000 combatentes vindos de 51 países de todos os continentes”.
Enquanto Apolônio travava outros combates na Resistência Francesa, outro brasileiro voluntário se destacava no Exército da França Livre. O carioca Raul Soares da Silveira partiu para a Europa a fim de lutar contra o fascismo. Em suas memórias, Tempos de inquietude e de sonho, ele narrou as batalhas que enfrentou e o que o motivou a se oferecer como soldado na Segunda Guerra.
“Não era só a guerra que me preocupava. Era a situação política e social do Brasil. A apatia e a conformidade eram quase gerais. Os poucos que se colocaram ativamente contra o Estado Novo estavam exilados, presos ou reduzidos ao silêncio e à imobilidade (...). Consciente de tudo o que acontecia na Europa e no Brasil, num estado de espírito de angústia e de impotência, não sabendo como reagir contra a falta de liberdade, como ajudar a combater as arbitrariedades que estavam sendo praticadas em meu país, tomei a decisão definitiva de partir do Brasil para lutar na guerra ao lado dos Aliados”, escreveu Silveira.
A partir desta decisão, em 1941 ele já fazia parte do Exército da França Livre e, a seu pedido, ingressou na Legião Estrangeira em 1942. Participou de diversos combates na Síria, no Egito, na Líbia e na Tunísia. Sua atuação acabou lhe rendendo condecorações francesas, como a Legião de Honra, a Medalha da Resistência Francesa, a Cruz de Guerra, a Cruz do Combatente da França e a Cruz do Combatente da Europa. Só deixou a Legião Estrangeira em 1944, quando a Força Expedicionária Brasileira chegou à Itália. Neste momento, combatia pelo Brasil. Finalmente, ele estava em casa.
Saiba Mais - Bibliografia
BATTIBUGLI, Thaís. A solidariedade antifascista: brasileiros na guerra civil espanhola (1936-1939). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004.
CHACON, Vamireh. Abreu e Lima, General de Bolívar. São Paulo: Paz e Terra, 1983.
SILVEIRA, Raul Soares da. Tempos de inquietude e de sonho. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2004.
Guerreiros da liberdade
Vivi Fernandes de Lima