Guignard e sua paixão silenciosa

Roberto Kaz

  • Alberto da Veiga Guignard, ícone da arte moderna brasileira, foi um pintor de traços líricos e amenos. Retratava temas bem brasileiros, como festas tradicionais e paisagens montanhosas de Minas Gerais. Em 1952, escreveu uma carta ao amigo Mário Maués em que confessava: “Apesar de brasileiro nato, já estou internacional, tendo exposto em Paris, Nova York, Berlim, Veneza, Montevidéu e Buenos Aires. (...) Depois de Portinari, sou eu.”

    Por mais grandioso que fosse, Guignard era um homem comum, suscetível a paixões e medos. Aos 36 anos, conheceu, durante um concerto no Theatro Municipal, a estudante de música Amalita Fontenelle, onze anos mais jovem. Apaixonou-se. Durante os cinco anos seguintes, de 1932 a 1937, passou a produzir cartões dedicados à moça. Com um detalhe: nunca foram enviados.

    Em fevereiro, o Museu Casa Guignard – em parceria com a Superintendência de Museus da Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais – publica o livro Cartões de Guignard para Amalita, com todos os 121 cartões feitos pelo pintor em técnicas como aquarela, desenho a nanquim e impressão. As peças comemoram diferentes épocas do ano, como Carnaval, Natal e Páscoa. Segundo Márcia Almada, coordenadora do projeto de digitalização, os cartões mostram “cenas do dia-a-dia mais íntimo do artista”:

    – Sabemos que o Guignard trocou cartas com Amalita, mas os cartões ficaram guardados. Tanto que ele mesmo os reuniu em um álbum, doado ainda em vida ao poeta Oswald de Andrade. Ao que parece, Amalita era uma espécie de amor platônico. O ato de enviar os cartões parecia não importar tanto. Guignard os fazia para evocar sua paixão. Os cartões eram pequenos objetos feitos quase que como uma catarse do artista, uma maneira de externar seu amor de uma forma silenciosa e individual.”

  • O álbum com os cartões de Guignard ficou com a família de Oswald de Andrade até 1987, quando foi adquirido pelo governo de Minas Gerais. O processo de compra foi intermediado por José Alberto Nemer e Priscila Freire, atual presidente da Associação de Amigos do Museu Casa Guignard. Priscila diz que o álbum provavelmente representa a produção mais intimista do artista:

    – Como o Guignard não pretendia que aqueles cartões tivessem valor monetário, acabou dando um caráter mais lírico a eles. E isso dá ao acervo uma riqueza extraordinária, importante até para se entender o resto de sua obra.