“Diz-me alguma coisa, que os livros e folhetins dessa espécie hão de ser lidos com grande avidez, lá pelos anos de 1980, e ainda mais tarde, se Deus lhe der vida e saúde. A história estuda-se em documentos assim não preparados, mas ingênuos e sinceros; é deles que se podem sacar a vida e a fisionomia de um tempo.” As palavras em tom profético foram publicadas em uma crônica no jornal Gazeta de Notícias, em 1886. Seu autor? O escritor Machado de Assis, expressando, portanto, a crença na crônica como gênero literário da maior importância para o estudo da história. O mesmo Machado já havia definido anos antes qual seria a principal marca da crônica: tratar de “cousas ínfimas”, dos pequenos acontecimentos, do cotidiano.
No entanto, nem apenas de improviso, pressa e ingenuidade se fizeram as crônicas em língua portuguesa. Outro notável escritor, José de Alencar defendia a idéia que dentro desses textos curtos publicados em jornais, poderiam existir assuntos e pensamentos de grande relevância. Por isso afirmava: “É uma arte difícil essa de dizer tudo não dizendo nada”.
Os organizadores e autores que participam de História em cousas miúdas – Capítulos de história social da crônica no Brasil não duvidam da importância das crônicas como testemunhos de um tempo vivido, mesmo sabendo que se trata também de um campo de experimentação literária. Por isso, estão reunidas no livro várias crônicas, assim como desenhos, cartas, sambas e relatos orais produzidos por diversos nomes de nossas artes – tais como Machado de Assis, Lima Barreto, Câmara Cascudo, Raul Pederneiras e Graciliano Ramos –, um material analisado dentro de seus diferentes estilos, que revela a partir de ângulos e perspectivas distintos o mesmo rigor na escrita de textos que nunca abrem mão da linguagem acessível e agradável. O leitor participará com os autores do prazer de travar contato com as “cousas miúdas” de anos passados, fazendo realizar-se a profecia machadiana.
História em cousas miúdas
Sidney Chalhoub, Margarida de Souza Neves, Leonardo Affonso de Miranda Pereira (Organizadores).