História goela abaixo

Roberto Kaz

  • Em novembro de 2006, o diretório regional do PMDB do Rio de Janeiro publicou a revista Nós governamos para os cidadãos, com 190 páginas coloridas que cobriam o casal Garotinho de elogios. O texto de abertura, assinado pela própria dupla, dizia que seus anos à frente do governo fluminense representaram “um verdadeiro cerco. Se o direito à metáfora nos permitisse fazer analogia bélica e histórica, foi como governar Stalingrado em pleno sítio nazista durante a Segunda Guerra”.

    Talvez por inspiração dos tempos de guerra – quando grandes líderes eram ovacionados e homenageados com esculturas ainda em vida –, na semana seguinte foi inaugurada uma estátua do próprio casal em uma praça na pequena cidade de São Fidélis, no norte do estado do Rio de Janeiro. Por iniciativa do prefeito David Loureiro, também do PMDB, Anthony e Rosinha Garotinho tiveram suas imagens eternizadas em tamanho natural. Reza a lenda que o local foi palco de brigas e reencontros da então dupla de namorados.

    Anthony e Rosinha Garotinho não são os únicos políticos atuais do Brasil a receber homenagem ainda em vida. Em São Luís, no Maranhão, o senador José Sarney tem um memorial com seu nome dentro do Convento das Mercês. O memorial conta com documentos do período da passagem de Sarney pela Presidência da República, além de um mausoléu onde ele pretende ser sepultado. No campo esportivo, este fato se repete com freqüência. Em notícia publicada no dia 1º de outubro de 2006 na Folha de S. Paulo, os jornalistas Eduardo Arruda e Paulo Cobos mostraram que mais de vinte estádios no país foram batizados com nomes de pessoas vivas, a maioria delas da área política.

    Em Santarém, os times jogam no “Barbalhão”, inaugurado na década de 1980, quando o deputado federal Jader Barbalho foi governador do Pará. Em Teresina, há o estádio “Albertão”, em homenagem a Alberto Silva, ex-governador do Piauí e atual senador. Na Bahia, o caso é mais explícito: seis cidades batizaram seus estádios de Antônio Carlos Magalhães.

  • Pesquisadora de História Contemporânea do Brasil do CPDOC/FGV, Ângela de Castro Gomes vê com receio o caso de políticos que se auto-homenageiam por meio de estádios e memoriais que levam seus nomes. Ela chama a atenção para o fato de que esses homens não fazem distinção entre bens públicos e privados. Quanto à estátua erguida em homenagem ao casal Garotinho, ela acredita que as pessoas saberão reconhecer o valor meramente momentâneo da peça:

    – A estátua foi instalada na praça de uma cidade do interior, certamente guiada por razões políticas. Foi inaugurada no momento em que o casal estava deixando o poder. Ela não tem o mesmo peso do Memorial JK, por exemplo, que fica na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Ou do busto em homenagem a Getulio Vargas, instalado na praça da Cinelândia, no Rio de Janeiro, onde ficam a Biblioteca Nacional, o Theatro Municipal e a Câmara dos Vereadores. A população sabe distinguir entre uma homenagem póstuma e outra de cunho eleitoral e partidário.