Humor ‘marvado’

Murilo Sebe Bon Meihy

  • Por essa, Monteiro Lobato e Mazzaropi não esperavam. Entre 1889 e 1948, circulava pelas ruas da Bahia a Foia do Rocêro, um tablóide ilustrado que se apresentava como “Orgo uficiá da roça e do partido do dizingrossa”, e que está disponível para consulta no acervo de obras raras da Biblioteca Nacional.

    Em tom debochado, o jornal trazia no alto de suas edições um pequeno manual de instruções a ser seguido pelo leitor, destacando que não se tratava de um impresso convencional, nos moldes dos periódicos feitos pelos “sinhous” da cidade. No lugar da primeira notícia, alertava: “1o. A trogafia é cumo se prununcia; 2o. Falou im mulequera, barro fora; 3o. Arrispitivo pulitica nada cum Deus; e 4o. Foi ingroceiro cae no imbirreiro”. O leitor estava autorizado, a partir daí, a desvendar as notícias fresquinhas saídas da fazenda.
    ~
    Na edição nº 14 do jornal (de janeiro de 1900), o iscrevedou prupriataro Coroné Sé Perèra Capa Bode pede desculpas ao leitor pela mudança do nome do periódico, que até a edição anterior se chamava As Coisa do Rocêro. A alteração se deu por questões relacionadas aos bons costumes, que sempre foram marcas do homem do campo. Nas palavras do editor: “...pruvia de paricê qui este nome é dizonestrado qui as famia honesta não pode isprivitá as culina da dita cuja foia”, já que as moças poderiam se sentir ofendidas em abrir As Coisa do Rocêro. 

    As qualidades do periódico não se limitavam à vigilância da moral e da tradição local. Engana-se, portanto, quem acreditava que o homem do campo vivia restrito ao seu próprio roçado. Como todo informativo que se preze, a Foia do Rocêro sempre esteve conectada com o que acontecia além das cercas e dos mourões da fazenda. Para dar conta dos fatos ocorridos em outras regiões, o folhetim contava com uma seção específica apresentada como sirviço isperçiá, responsável pelas nutiças qui veio pur arame arengueiro (telégrafo), ficando sob a coordenação do caçadou de nutiça de fora Capitão Mané Priquito. Este segmento traz pequenos comentários supostamente enviados por leitores, como certa reclamação de um caricateiro que sugere aos jornalistas: “Bote mais sá na sua foia qui desta cartiada as figura non teve graça”.

  • Além dessa seção, a Foia do Rocêro incluía outros temas. Os annunços, por exemplo, expressavam de forma incisiva o espírito satírico do jornal. As notas mais engraçadas se referem à locação de “uã boa caza qui tem aua dentro quando xove, na rua das caza no. 1”, e à oferta de emprego para “uã boa ama de leite pra dá de mamá a dois porco na rua da bunda do boi, no. 0”.  

    Apesar de tanto humor e zombaria, a Foia do Rocêro  estava longe de refletir a moleza e a cordialidade muitas vezes vinculadas ao caipira e ao baiano. Para os espertinhos da capitá que pensavam em ludibriar o roceiro, os editores alertavam: “Pagamento nesta cundição: a Foia do Rocêro na mão e o dinheiro na outra; negoço é negoço, amigos a parte”.

    (Murilo Sebe Bon Meihy)