Imigrantes em apuros

Filipe Monteiro

  • Às terças, quintas, sábados e domingos, o Rio de Janeiro fica mais angolano. Nesses dias, aterrissam no Aeroporto Internacional Tom Jobim, na Ilha do Governador, os vôos das Linhas Aéreas de Angola (TAAG). A bordo, chegam imigrantes, homens de negócios, comerciantes e estudantes.

    Inaugurada em 1986, a conexão entre a capital, Luanda, e o Rio foi, durante muito tempo, rota de fuga para quem tentava escapar da guerra civil que devastou o país africano por mais de duas décadas. Desde que Portugal abandonou sua ex-colônia, em 1975, e ela proclamou a independência, as duas principais forças políticas – o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), de orientação marxista, e o grupo conservador União Nacional pela Independência Total de Angola (Unita) – disputaram à bala o comando da nação. A paz só veio em 2002, com a vitória do MPLA.

    Durante a guerra, quem era recrutado e se recusava a pegar em armas não tinha outra escolha a não ser o exílio. Os destinos eram países vizinhos, como a República Democrática do Congo, além de Portugal e Brasil. Como de Angola para cá só havia vôos para o Rio, a cidade tornou-se o principal destino dos refugiados. Hoje a colônia se concentra na Rua do Riachuelo, no Centro, e no Complexo da Maré, na Zona Norte, uma das áreas mais violentas da capital. Leonel da Conceição Abel Martins, 31 anos, é um dos que chegaram aqui há seis anos. Sem um tostão no bolso, contou com o apoio de amigos para estudar Jornalismo e hoje é editor do site mais popular entre seus conterrâneos, a Folha de Angola (www.folhadeangola.com). “A principal referência para os jovens que decidem sair do país são as telenovelas brasileiras, muito populares por lá. Mas quando chegam aqui, percebem que a realidade está longe de todo aquele glamour”, diz Leonel.

    Indignados com o modo como muitos brasileiros são tratados no exterior, deveríamos estar mais atentos ao que se passa com os imigrantes aqui. Por serem negros e estrangeiros, os angolanos sofrem preconceito em dobro. A Polícia Militar os trata como traficantes, enquanto seus vizinhos os acusam de roubar-lhes os empregos. “A mídia também contribui muito para isso, insistindo na imagem do angolano bandido e traficante internacional”, comenta Antônio João Augusto da Costa, 30 anos, estudante de pós-graduação em Sociologia e Antropologia na UFRJ, no Rio desde 1995.

    Em parte, esse estigma se deve ao comércio da mukunza – ou muamba, em bom afro-português. Sem trabalho, os angolanos compravam calças, saias, blusas e outras mercadorias em São Paulo para serem revendidas por seus parentes nos mercados populares de Luanda. Acusados de contrabando, eram alvo da PM carioca até pouco tempo, em blitzes feitas nos arredores do aeroporto somente nos dias de vôos da TAAG. Com a pacificação de seu país e a criação de leis de incentivo fiscal para a indústria nacional, a atividade diminuiu. Muitos dependem hoje do dinheiro de seus parentes ou vivem de trabalho informal.

    Embora enfrentando um cotidiano de privações, tentam manter e cultivar suas raízes. Em lugares como a discoteca Espaço África, no bairro de Botafogo, onde podem ouvir músicas e ritmos nativos, como a Kizomba, ou assistindo a apresentações do grupo de teatro Muxíma, dedicado a tradições folclóricas de Angola e da África em geral, sentem-se mais perto de casa. E nada mais caseiro do que a típica culinária angolana, oferecida em quiosques na Maré. Leonel recomenda iguarias como o mufete (peixe assado na brasa com banana da terra fervida no azeite de dendê, molho vinagrete e arroz refogado com pimentão, cebola e tomate) e a galinha de muamba (feita ao molho de amendoim, feijão ao óleo de palma e fungi).

    Com a paz, o fluxo de imigrantes, intenso nas décadas de 80 e 90, diminuiu. A maioria dos angolanos que chegam atualmente ao país vem fazer intercâmbio e fechar bons negócios. Os vôos de volta é que andam mais cheios. Uma geração inteira de desterrados é agora chamada para reconstruir uma nação que tem uma das maiores taxas de crescimento do planeta, cerca de 20% do PIB ao ano. Um novo eldorado que também atrai brasileiros, enviados por grandes empresas ou por intermédio de programas de cooperação internacional.

    Destinos certos dos degredados na época colonial, América e África têm hoje o desafio de se tornarem bons lares para seus filhos. E o dever de receber bem seus irmãos interatlânticos.