O carnaval do Rio de Janeiro vai muito além dos desfiles no Sambódromo. Nos subúrbios da cidade, até o início dos anos 1950, cada folião formava seu grupo, escolhia o tema das fantasias e pulava de bar em bar. Foi no início dos anos 1960 que a situação mudou, quando o bloco Bafo da Onça tomou grandes proporções e começou a fazer sucesso na região da Leopoldina, Zona Norte da cidade. Inspiradas nele, três famílias tradicionais do local resolveram se reunir e formar seu próprio bloco, o Cacique de Ramos. Depois de lançar vários sucessos, ajudar a divulgar os artistas da região e organizar as tradicionais feijoadas e partidas de futebol em sua quadra, o bloco foi declarado patrimônio cultural e teve a sede reformada em 2010. Mas a festa não acabou aí. No dia 20 de janeiro, o Cacique completou 50 anos e já está em clima de carnaval.
Os primeiros “caciques” eram jovens de cerca de 20 anos. Alguns deles com nomes indígenas, como os irmãos Ubirajara – o Bira Presidente –, Ubirany e Ubiraci Félix do Nascimento. Daí surgiu o nome do bloco e a tradicional fantasia de índio. O samba já estava no sangue de todos eles. “Meu pai levava uma turma de bambas lá para casa, como Donga, Pixinguinha e Cartola. Nós também sempre íamos para a casa deles ouvir samba”, conta Bira. Outra herança familiar é a religião. A mãe dos três “caciques” foi filha de santo da Mãe Menininha do Gantois, e também católica. Por isso, o bloco tem São Sebastião como protetor e sempre faz uma missa no aniversário. As tamarineiras da quadra também têm seu quê de religiosidade. “Nossa mãe fez um trabalho nas árvores. Ela dizia que todos que pisarem ali, se tiverem valor espiritual, conseguirão ter sucesso”, diz Bira. Quem sabe da história organiza excursões para fazer pedidos às tamarineiras e aproveita para ouvir o samba, é claro.
Com tamanha herança, o primeiro sucesso do bloco veio logo, no carnaval de 1964. “Água na boca”, de Agildo Mendes, permitiu ao Cacique fazer frente ao Bafo da Onça. Depois disso, a rivalidade virou tradição. “Os dois blocos faziam letras para se provocar. A disputa era a melhor parte do carnaval, mas, no fim, você sempre via um índio abraçado com uma oncinha”, conta Ubirany. Vários sucessos se seguiram, como “Coisinha do pai”, de Almir Guineto, Luiz Carlos e Jorge Aragão, sucesso na voz de Beth Carvalho. Com eles, muitos artistas e grupos foram revelados, como Emílio Santiago, João Nogueira e o Fundo de Quintal, do qual fazem parte Bira e Ubirany.
“Na década de 1980, o Cacique era o epicentro de uma enorme rede de pagodes e casas de samba. Dali saíram vários músicos profissionais. Não tem como entender o movimento de pagode, que virou moda nessa época, sem entender a música do Cacique”, diz o antropólogo Carlos Alberto Messeder Pereira, autor de “Cacique de Ramos – Uma História que deu Samba”. No ano em que o bloco se torna cinquentenário, alguns desses filhos hoje conhecidos em todo o país devem comparecer para pular o carnaval pelas ruas da Leopoldina, como nos velhos tempos.
Saiba Mais
Cacique de Ramos
Rua Uranos, 1326 – Olaria, Rio de Janeiro.
www.caciquederamos.com.br
Índio quer folia
Cristina Romanelli