Informação sem rodeios

Isabel Travancas

  • Ao longo dos 45 anos em que se fez presente na imprensa nacional, Ibrahim Sued (1924-1995) foi muito além de criar um estilo próprio: reinventou a forma de abordar os fatos políticos e a vida de pessoas públicas, influenciou gerações de profissionais e ajudou a consolidar um gênero antes desvalorizado pelos jornais – o colunismo social.

    Sua estreia profissional foi como fotógrafo, e parecia promissora. Em agosto de 1946, o jornal O Globo, do Rio de Janeiro, publicou na primeira página uma foto que causou polêmica: o líder da União Democrática Nacional (UDN), Otávio Mangabeira (1886-1960), parecia beijar a mão do general e futuro presidente norte-americano Dwight Eisenhower (1890-1969). Autor do flagrante, Ibrahim Sued continuou como fotógrafo por alguns anos, até que lhe surgiu uma oportunidade de retratar de outra forma os bastidores do poder: em 1951, o jornal Vanguarda o convidou para escrever uma coluna diária. Naquele espaço, batizado de “Zum-Zum”, logo chamaria a atenção.

    Eram poucos os chamados “colunistas sociais”, e mais raros ainda aqueles que não se limitavam a contar as fofocas e descrever festas da classe alta. Era uma seção sem brilho nem importância. A entrada em cena daquele filho de imigrantes árabes foi uma surpresa para os leitores. Ibrahim escrevia de forma franca, pessoal e até agressiva. Criava notas curtas e diretas, mesclando informações sobre a vida mundana com notícias sobre política e economia ou eventos internacionais. Não ligava para a norma culta, usando um linguajar todo próprio para criticar ou elogiar modismos e personalidades. Ou, em suas palavras, dar “bola preta” ou “bola branca” a quem merecesse.

    Mesmo tendo como matéria-prima de sua coluna as figuras públicas e os políticos, não era do feitio do “Turco” – como era conhecido – fazer média para ser bem aceito ou conquistar “fontes” (informantes dos jornalistas). Pelo contrário: fez-se respeitar pela sinceridade e exposição direta de suas convicções. Deixou clara, desde cedo, a opção de não votar no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), fundado em 1945 sob orientação do ex-presidente Getulio Vargas. Publicou ferozes críticas ao regime implantado em Cuba por Fidel Castro, em 1959, e manifestou sua veemente discordância da transferência da capital para Brasília, no ano seguinte. Quando veio a ditadura, não hesitou em apoiar os governos militares. Bem mais tarde, em 1989, apoiaria enfaticamente a candidatura de Fernando Collor de Mello à Presidência. Chamava-o de “demolidor”.

    Depois do jornal Vanguarda, sua coluna foi publicada na revista Manchete, no Diário Carioca, na Gazeta de Notícias e no Diário da Noite. A cada mudança, recebia outros títulos, como “Crônica social”, “Jornal de Ibrahim Sued” e “A semana de Ibrahim Sued”. Em agosto de 1954, chegou ao jornal O Globo, onde permaneceria até sua morte. Já reconhecido por seu estilo único, passou a assinar a seção “Reportagem social de Ibrahim Sued”.

    Tornou-se referência para os que vieram depois. Passaram por esse aprendizado, entre outros, os jornalistas Ricardo Boechat e Elio Gaspari. Segundo Mario Sergio Conti, a todos eles Ibrahim “ensinou que reescrever notícias de outros jornais, ‘cozinhar’ matérias, era bobagem. Ensinou a ir na notícia, a procurar. Que agenda telefônica é um instrumento de trabalho. A fazer sempre o melhor. Não foi um aprendizado suave”. Isto porque o colunista gostava de ser repórter, e sua coluna refletia a transformação pela qual o jornalismo brasileiro estava passando. Ainda nas palavras de Conti, ele produzia “informação curta, direta, informativa por excelência, muitas vezes agressiva, quase sempre antirromântica”.

    Some-se a isso a enorme capacidade de criar expressões originais e fazê-las cair na boca do povo. Sua marca registrada – “Ademã que eu vou em frente” – era uma divertida adaptação de um singelo “Até amanhã”, em francês (a demain). “Bonecas e deslumbradas”, uma dobradinha maliciosa: as primeiras, mulheres bonitas; as segundas, aquelas que só querem aparecer. “Vagões e locomotivas” era como chamava as pessoas que assumem a liderança social de um grupo ou classe. “Kar”, um sinônimo para elegante, chique. O oposto de “Shangay”, gíria criada para qualificar algo cafona, de mau gosto. Havia ainda frases “filosóficas”, como “Cavalo não desce escada”. No campo político, emplacou a expressão “padres de passeata”, com a qual ironizava a participação de religiosos na militância contra a ditadura.

    No contexto internacional, suas colunas não se furtavam a comentar ou noticiar os chamados “grandes eventos”, como a eleição de Perón na Argentina, a coroação da rainha Elizabeth da Inglaterra, o início da Guerra do Vietnã, as mortes de John e Bob Kennedy, do ditador português Salazar (“um grande estadista”), do francês Charles de Gaulle e do papa Pio XII, o Caso Watergate nos Estados Unidos e a Guerra das Malvinas, opondo Argentina e Inglaterra. Sempre que possível, relacionava os acontecimentos com sua pessoa: contava que estivera presente em determinada cerimônia, cumprimentara a personalidade citada ou acrescentava ao fato algum aspecto particular e muitas vezes inusitado.

    Para muitos, Ibrahim foi o “pai” do colunismo social no Brasil. Na década de 1950, disputava “furos” e leitores com outro colunista importante, Jacinto de Thormes, codinome de Maneco Muller (1923-2005), que escrevia no Correio da Manhã.
    Quanto aos “furos” (notícias dadas em primeira mão), dois dos principais feitos de Ibrahim foram antecipar que Emílio Garrastazu Médici seria escolhido o próximo presidente do Brasil, em 1969, e informar sobre uma doença desconhecida e fatal que vinha atingindo principalmente homossexuais no início dos anos 1980. Era a Aids.

    Ibrahim foi também um cronista do Rio de Janeiro. Além de cobrir as festas da alta sociedade com charme e criatividade, abria espaço em suas notas para problemas do cotidiano da população, como a falta d’água e a remoção de favelas. Apaixonado pela “cidade maravilhosa”, não se cansava de louvá-la e defendê-la. Daí sua implicância com Brasília: embora elogiasse a nova capital e sua arquitetura, para ele o Rio seria sempre a sua “Belacap”.

    Devido ao prestígio obtido na imprensa escrita, em 1965 recebeu convite para apresentar um programa na TV Globo. Durante nove anos, em “Ibrahim Sued informa”, reproduziu, ao vivo, o estilo, o tom e os assuntos de suas colunas. De tempos em tempos, lançava livros. Publicou 000 contra Moscou: Viagem ao país do medo (1965), 20 anos de caviar (1972), O segredo do meu su... sucesso (1976), Aprenda a receber – Etiqueta (1977), Nova etiqueta (1978), 30 anos de reportagem (1983) e Vida, sexo, etiqueta e culinária – do rico e do pobre (1986). Todos grandes sucessos de vendas, as edições rapidamente esgotadas, algumas com tiragens de 100 mil exemplares. Em 1988, a revista Imprensa publicou pesquisa atestando que Ibrahim Sued era o jornalista mais lido do Rio.

    Sua produção ininterrupta de colunas resultou em números impressionantes. De 1951 a 1993, elas foram publicadas diariamente. Só depois, até 1995, passaram a ser dominicais. Ao todo, foram mais de 15 mil, o que expressa o trabalho incansável de produzir notas sobre os mais diversos temas. No início, a seção tinha cerca de vinte centímetros, mas dobrou de tamanho com o tempo, chegando, em sua etapa final, a ocupar meia página de jornal. Crescimento que refletia a influência do autor e o alcance de seu sucesso.

    Sempre houve quem o criticasse. Mas foi seu estilo objetivo, leve e bem- humorado um dos principais responsáveis por conferir ao colunismo social o brilho e o charme que essa seção não tinha até então. Dos anos 1950 para cá, as colunas sociais dos jornais e revistas cresceram muito em prestígio, tamanho e quantidade. Hoje, os colunistas são o “charme” do jornal, a atração a mais que um veículo oferece ao seu leitor. Nenhum jornal pode se dar ao luxo de não ter ao menos um colunista. Conscientemente ou não, são todos herdeiros de Ibrahim.

    ISABEL TRAVANCAS é professora-adjunta da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora de O mundo dos jornalistas (São Paulo: Summus, 1993).

    SAIBA MAIS - Bibliografia

    CONTI, Mario Sergio. Notícias do Planalto. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
    MELO, José Marques de. A opinião no jornalismo. Petrópolis: Vozes, 1994.
    SUED, Isabel. Em sociedade tudo se sabe. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.