Demorou, mas 142 anos depois do lançamento, o clássico Guerra e Paz (1865-1869), de Liev Tolstói, ganhou a primeira edição brasileira traduzida diretamente do russo, no final de 2011. Ele não é o único. Dezenas de obras da literatura russa estão chegando em novas versões às livrarias brasileiras. Nova Antologia do Conto Russo (Editora34), por exemplo, traz uma seleção de contos, muitos inéditos, escritos entre 1792 e 1998. Além disso, a Cosac Naify promete para este ano Oblómov, de Iván Goncharov, e a Editora34 terá sete lançamentos de grandes autores, como Nikolai Leskov e Fiódor Dostoievski.
“É um mistério. Tenho viajado pela América Latina e não vi tanto interesse como aqui. Não sei se é o mercado editorial que está incentivando o estudo da língua russa ou se é o contrário. Obras russas publicadas nos anos 1990 não tiveram nem de longe a mesma repercussão. Na USP, a língua russa tem sido uma das mais procuradas na graduação, e temos cerca de 30 alunos na pós”, conta Bruno Barreto Gomide, organizador da Nova Antologia do Conto Russo e professor de Literatura Russa na USP.
O livro organizado por Gomide traz a primeira tradução brasileira de escritores pouco conhecidos por aqui, além de outros já consagrados, como Aleksandr Pushkin e Nikolai Gógol, mas em textos ainda não publicados ou que tiveram divulgação fraca no Brasil. O título faz referência à Antologia do Conto Russo, lançada pela editora Lux em 1961. “Antologia representou um salto em qualidade nas traduções, com a presença de Boris Schnaiderman, que era um dos únicos que faziam a tradução direta do russo. Hoje, praticamente todas as editoras só aceitam tradução direta”, afirma Gomide.
O principal marco dessa nova etapa talvez tenha sido a tradução de Crime e Castigo (Editora34, 2001), de Dostoievski, que em dez anos já vendeu mais de 100.000 mil exemplares. O trabalho é de Paulo Bezerra, professor da USP que traduziu mais de 44 obras russas e no momento está debruçado sobre O adolescente, do mesmo autor. “Quem havia lido traduções do francês agora tem a impressão de estar lendo outra obra. As personagens ‘dostoievskianas’ estão constantemente em crise, e isso se reflete no padrão da linguagem, na sintaxe das falas... Tudo isso desaparece na maneira francesa de traduzir”, explica Bezerra.
Se a diferença é tamanha, por que a tradução direta só começou a ser feita agora? Uma hipótese seria a possível relação da literatura com o regime soviético em décadas anteriores. No entanto, mesmo durante o governo militar, quando livros tinham dificuldade para entrar no Brasil e cursos de russo eram vistos com desconfiança, muitas coleções foram lançadas. Para Bezerra, o problema é que havia poucos tradutores à altura e com disposição para encarar o desafio. Afinal, segundo ele, o trabalho pode levar muitos anos. “Sem contar que os editores não compreendiam a importância da tradução direta, e havia certo comodismo, pois as obras já estavam em outras línguas. As novas traduções, como a de Guerra e Paz, de Rubens Figueiredo, contribuem para mudar isso de vez”.
Invasão russa
Cristina Romanelli