Deixar parentes em outro continente, chegar a um país estranho para ali viver e ainda ter que se adaptar a uma nova cultura nunca foram experiências fáceis. Para aplacar as dificuldades da nova vida, várias estratégias passaram a ser adotadas pelas comunidades de imigrantes que chegavam ao Rio de Janeiro na virada do século XIX para o século XX. Além de se concentrarem em determinados bairros, eles ainda se especializaram em certas atividades profissionais. No caso dos italianos, havia principalmente jornaleiros, comerciantes, caixeiros-viajantes, sapateiros e barbeiros.
A preservação da cultura da terra natal foi muito importante para essas comunidades e, muitas vezes, foi garantida pela imprensa. E os italianos eram bons nisso. Segundo o historiador italiano Angelo Trento, cerca de 500 publicações foram alavancadas por eles no país, 64 delas no Rio de Janeiro. Uma delas é o jornal Il Bersagliere, fundado em 31 de janeiro de 1891, que circulou pelo menos até 1914, ano em que a coleção, guardada pela Divisão de Periódicos e Publicações Seriadas da Biblioteca Nacional, é interrompida.
O jornal tinha uma ligação com o mundo do entretenimento, motivada por Paschoal Segreto (1868-1920), proprietário do periódico e empresário da indústria do cinema. Mas seu forte estava no caráter nacionalista, como revela o próprio título: Bersagliere era o nome dado aos membros da guarda real italiana. Segundo anunciou o professor e editor Giuseppe Magrini na primeira edição do jornal, a iniciativa surgiu da necessidade de manter os vínculos dos imigrantes com a mãe-pátria. Editado exclusivamente em italiano, aos poucos abriu-se a alguns anúncios veiculados em português.
No início, a linguagem e as notícias tinham um tom mais informal. Mas com a mudança na edição do jornal, que passou para as mãos de Gaetano Segreto, irmão de Paschoal Segreto, a publicação foi se tornando um pouco mais austera, reproduzindo o conteúdo de periódicos italianos sobre a política, economia e fait divers – acontecimentos diversos, no jargão jornalístico – ocorridos naquele país e ao redor do mundo.
Fina ironia
O tom sério acabou cedendo espaço, às vezes, a uma fina ironia a certos feitos, como no caso do cientista americano Nicola Tesle (1856-1943), que queria estabelecer comunicações radiote
legráficas entre a terra e Marte: “Tesle – que indiscutivelmente tem a habilidade de eletricista unida a muita fantasia romântica – disse que se tornará um problema secundário o da criação de um código interplanetário”. O jornal ainda passou a ter como foco a vida da elite desta comunidade, com colunas dedicadas a festas e a espetáculos, como os jantares beneficentes organizados pela Società Italiana de Mutuo Soccorso em prol das escolas italianas no Brasil.
Com uma estrutura bem regular, a publicação que foi mudando lentamente. Nas primeiras edições, há apenas uma página de notícias para três de anúncios, o que se inverte ao longo dos anos. O enfoque artístico, por sua vez, tinha destaque na nova estrutura: na coluna Arte ed artisti, era possível encontrarextensiva cobertura das passagens de artistas e companhias estrangeiras pelo Brasil.
Mas a visão patriótica do jornal nunca saiu de foco. Os heróis da gloriosa luta pela unificação italiana – como Giuseppe Garibaldi (1807-1882) e o primeiro rei da Itália unificada, Vittorio Emmanuele II (1820-1878) – eram lembrados em mais de 20 páginas das edições comemorativas do 5 de maio, data escolhida para a celebração da unidade italiana. Divulgou também a repercussão das comemorações ocorridas na Itália e entre os colonos no Brasil. Em uma destas edições, há menção à prisão de um ator veterano que estava filmando uma sequência de um assassinato. O motivo foi hilário: a guarda real achou que ele teria atentado contra a vida de Vittorio Emmanuele. O imbróglio foi solucionado pelo Marechal chefe da guarda, que era amigo do ator e caiu na gargalhada na frente dos soldados estarrecidos.
Na política internacional, por ocasião da entrada da Itália na Primeira Guerra Mundial, o jornal chegou a convocar os leitores para defender a Itália nos debates públicos que aconteciam no Brasil. Conclamavam o combate aos temidos italianófobos, imprimindo manchetes como “L’Italia è in guerra!” em letras garrafais para anunciar a entrada do país no conflito em 1914.
Desse modo, Il Bersagliere foi uma tribuna impressa. Pelo humor, pelo apelo ao sensacional ou por um tom mais sério, vários setores da comunidade italiana no Rio de Janeiro manifestaram suas preocupações com sua convivência na sociedade carioca e com o destino de seus patrícios.
Jornal da comunità
Pedro Lapera