Judith Butler

Nashla Dahás

  • Filósofa e professora na Universidade da Califórnia, em Berkeley, Judith Butler afirma que é na possibilidade do fracasso das normatizações que reside o espaço para a subversão no campo dos gêneros e da sexualidade. Seu trabalho procura desnaturalizar as “verdades” de toda a identidade que oprima as singularidades humanas que não se enquadram nos padrões normativos, morais e sociais.  
     
    A tarefa não é fácil. Afirmar-se mulher na luta feminista por igualdade de direitos é usar a linguagem da identidade em nome da justiça. Ao mesmo tempo, esse sujeito muito bem identificado – a mulher – acaba mirando em si mesmo, de volta ao mesmo lugar de opressão. 
     
    A indústria do sexo, o transexual, a infidelidade... para muitos temas não adiantará a alteração progressista das normas – como o casamento homoafetivo, em que a inclusão de novas possibilidades se sustenta nas mesmas normas morais que refletiam a exclusão anterior. Para novas pautas precisaremos de outros tipos de articulação política, em que o discurso normativo seja questionado publicamente. 
     
    Na prática do discurso, Butler concebe o feminismo como uma ideia que traz em si a crítica autodestrutiva por sua capacidade de superação do próprio objeto – guardando-se dele e gratificando-se com ele a cada conquista ultrapassada. 
     
    O conceito de gênero em seu trabalho contradiz as teorias feministas tradicionais?
    Eu não acho que ele contradiz o feminismo tradicional. O feminismo tem sido sempre um movimento e uma teoria que busca ampliar a liberdade das mulheres e, em minha opinião, isso significa a ampliação do conceito de gênero também.
     
    A ideia de uma identidade feminina ainda é válido?
    Existe um único conceito de identidade feminina? Não tenho certeza. Parece que a questão da identidade feminina tem sido objeto de debate há muito tempo. Talvez “identidade feminina” seja apenas o nome para esse debate. Não pode existir uma única definição.
     
    O que significa a ideia de que o sexo não é natural?
    A ciência e a religião têm identificado o que é “natural” sobre o sexo de maneiras diferentes ao longo do tempo, e se considerarmos a questão de forma transcultural, também descobriremos que existem diferentes formas de identificar as dimensões “naturais” do sexo. A categoria “sexo” se relaciona com a biologia, com a genética, com diferenças morfológicas. Mas em cada um destes casos vemos que na história da ciência a categoria do sexo mudou, até mesmo em sua própria definição. Pesquisadores de sexo agora debatem sobre o que é mais importante: hormônios ou genes? No caso de atletas olímpicos, em que há o problema de saber de que gênero as pessoas são, há disputas frequentes sobre como decidir isto. Então, o que é "natural" é, talvez, uma questão aberta ao debate histórico. 
     
    A questão dos transgêneros afeta o debate feminista?
    Torna as feministas mais alertas para a forma como as normas de gênero podem ser tanto constrangedoras quanto totalmente permitidas. É uma questão crucial, que nos permite pensar sobre quão importante é a liberdade de escolha e de reconhecimento legal para quem optar por mudar de sexo. Temos que aceitar que nem todas aquelas que são mulheres nasceram dessa maneira. E aqueles que nascem em um corpo feminino, sobre o qual recai a expectativa de que vão se tornar mulheres, às vezes tornam-se homens ou trans ou vão encontrar seu próprio caminho com o gênero. O transgênero é um desfio para o feminismo, e é bem-vindo. 
     
    Ser feminista significa ser de esquerda?
    Sim, absolutamente. Nós não estamos apenas lutando pela liberdade e a igualdade para as mulheres, mas para todas as minorias e contra a exploração econômica e a desigualdade.
     
    Por que o movimento feminista foi dividido em várias tendências e organizações? Isto é um problema?
    Talvez seja um problema, mas estas divisões e argumentos têm sido parte do feminismo desde o início do movimento. Precisamos aprender com essas divisões sem ter sempre que suprimi-las ou resolvê-las. Solidariedade inclui antagonismos.
     
    Não obstante as conquistas históricas dos movimentos feministas, a violência contra as mulheres nos países ocidentais ainda é expressiva. Como explicar isto?
    O progresso tem repercussões. Às vezes podemos adquirir formas de reconhecimento legal e ampliação das formas de participação política sem que haja uma mudança correspondente na cultura. A violência contra as mulheres, as minorias raciais e de gênero continua a ser um grande problema, e é necessário um movimento mais amplo da esquerda contra todas as formas de violência.
     
    O que acha de movimentos que usam o machismo da indústria cultural subvertendo seus códigos?
    Tudo depende de como a subversão funciona. Às vezes, a subversão apenas vende. A questão-chave é: pode o trabalho de subversão permitir uma crítica à própria indústria cultural?