Um grupo de japoneses se recusa a acreditar que o Japão assinou o tratado de rendição na Segunda Guerra Mundial, em 1945. Eles então formam uma seita e eliminam dezenas de compatriotas, considerados traidores por acreditarem na notícia, certamente forjada por inimigos. É o enredo de um filme, mas esta história é real. E aconteceu bem aqui, na comunidade de imigrantes de São Paulo e do norte do Paraná, a maior fora do Japão. Essa disputa ficou muito bem escondida até 2000, quando foi contada no livro "Corações sujos", de Fernando Morais. O longa-metragem dirigido por Vicente Amorim tem o mesmo título e deve estrear nas telonas no dia 28 de outubro.
“Corações sujos” era o apelido dado aos japoneses considerados traidores. Não era fácil ser um deles. As ameaças iam de cartas recomendando o suicídio a pichações na fachada de casa avisando que seriam executados. Isso em plena década de 1940. “Eles levavam um punhal. Se a pessoa não se suicidasse, eles a matavam e em seguida se entregavam à polícia. Eles forjavam até a carta de suicídio. Isso só acabou quase dois anos depois, com a prisão de cerca de 30 mil pessoas”, explica o jornalista Fernando Morais.
Essa situação foi gerada, em parte, pelo isolamento da comunidade japonesa. “Eles vieram para o Brasil só para fazer um pé-de-meia e voltar. Esse fato, somado ao racismo dos brasileiros, fez com que se isolassem. A maioria sequer entendia o português”, conta Morais. No entanto, não dá para se entender totalmente quais foram as causas, já que os próprios imigrantes não falam a fundo sobre o assunto. “No início, enfrentei muita resistência quando tentei conversar com eles. Com o tempo, acabaram ajudando. Acho que eles têm certo pudor de admitir que pelo menos metade da colônia não acreditava na derrota do Japão. Talvez o livro e o filme possam funcionar como uma espécie de exorcismo”, diz o jornalista.O longa de Vicente Amorim foi baseado no livro de Morais, mas é uma ficção. “É um thriller, uma história de amor inspirada no livro. Os personagens são uma mistura de todos os imigrantes com quem conversamos e sobre os quais lemos nos mais de dois anos de pesquisa”, explica Amorim.
No elenco há nomes como Shun Sugata, de “O Último Samurai” (2003), e Tsuyoshi Ihara, protagonista de “Cartas de Iwo Jima” (2006), de Clint Eastwood. Quase todos os atores são japoneses. “Queríamos atores que falassem japonês perfeitamente e que, ao mesmo tempo, tivessem apelo comercial no Japão. Estamos negociando a distribuição do filme lá. Eles pouco sabem sobre a imigração para o Brasil e muito menos sobre a história dos corações sujos”, diz o diretor. Por enquanto, o filme tem agradado no Japão e aqui no Brasil também. Fernando Morais viu uma prévia e aprovou a adaptação. Agora, é esperar para saber a opinião dos descendentes dos reais protagonistas dessa história.
Justiça na base do sangue
Cristina Romanelli