Lição do dia: divirta-se!

Regina Helena Santiago e Lia Jordão

  • Nem só de livros vive a Biblioteca Nacional, e a gama de itens incluídos nesta máxima é quase infinita. A Divisão de Iconografia, quem poderia imaginar, tem até um conjunto de brinquedos infantis das décadas de 1930 e 1940. Na era das diversões digitais, explorar esse acervo reaviva a nostalgia de infâncias perdidas – mas também indica que, independentemente da tecnologia, o jogo pode ser uma ferramenta educativa.

    Os brinquedos eram desconhecidos da maioria do pessoal da Biblioteca até 2007, quando foram inventariados. Acredita-se que tenham chegado à Biblioteca pelo mesmo motivo que cresce o acervo de livros e revistas: em cumprimento ao Depósito Legal, que desde 1907 obriga todos os editores do país a depositarem na BN um exemplar de cada obra publicada. Grande parte dos brinquedos da coleção foi fabricada pela Companhia Melhoramentos de São Paulo. A empresa começou como produtora de papel em 1890 até ser incorporada à editora Weiszflog Irmãos, em 1920. Com um vasto catálogo de livros infanto-juvenis, passou a lançar brinquedos nos anos 1930.

    A proposta certamente não floresceria naquele período por coincidência. Foi um tempo de grandes reformas na política educacional brasileira, como a criação do Ministério da Educação, a construção de um sistema público gratuito de educação básica e a obrigatoriedade do ensino primário, somadas à difusão de ideias pedagógicas inovadoras – principalmente as da Escola Nova, capitaneada por Anísio Teixeira (1900-1971), que valorizava a individualidade do aluno e seu protagonismo no processo de construção do conhecimento. Essas transformações na Educação colocaram os chamados brinquedos educativos em um novo patamar, tanto do ponto de vista didático como do mercadológico.

    A Lotto da Taboada, por exemplo, assinada por Eunice de Souza Campos, funciona como um bingo em que o professor canta a operação matemática que deve ser efetuada pelos participantes, que então marcam o resultado em suas cartelas. Em seu folheto de instruções, o jogo traz citação de Édouard Claparède (1873-1940): “O jogo deve ser o ponto de partida da educação ativa”. O suíço, precursor do epistemólogo Jean Piaget (1896-1980), também suíço, estudou o funcionamento da mente infantil e defendeu que a criança deve ser estimulada a buscar ativamente o conhecimento.

    Outro que incorpora a diversão ao aprendizado de disciplinas escolares é O jogo da leitura, devidamente “aprovado pela Diretoria Geral do Ensino de São Paulo em 1931”, que traz letras, sílabas e palavras ilustradas em cartões coloridos. No folheto de instruções, a autora, Maria de Lourdes Calazans, sugere algumas formas de jogar, mas recomenda que se variem os exercícios “para não cansar a inteligência infantil”. E conclui: “Dentro de um mês poderão conhecer todas as palavras, e assim fácil e agradavelmente terão dado um passo gigante no aprendizado da leitura”. Meus filhos é um incentivo à aproximação das famílias: com o epíteto de “Conversas instrutivas”, traz perguntas sobre Ciências Naturais listadas sob o sugestivo título de “Interrogatório”, cujas respostas estão nos cartões recebidos pelos jogadores. Um prenúncio dos jogos de perguntas e respostas que ainda hoje fazem muito sucesso.

    Além dos jogos ligados ao currículo tradicional, há aqueles voltados às habilidades motoras, todos da Melhoramentos. Para brincar com Recortes mágicos e Vou recortar e pintar animais, basta tesoura e cola; já O pequeno construtor traz quase 400 pedaços coloridos de cartão, além de projetos de 20 diferentes modelos para montagem. Em Minhas contas para colares, fios de algodão e bolas coloridas de diversos tamanhos servem à menina que deseja montar seu próprio colar – de lambuja, ensaia a vaidade do mundo adulto.

    Brinquedos ligados a profissões revelam ofícios importantes da época, quando foi consolidado o ensino profissionalizante no país. O pequeno tipógrafo tem inúmeras letras, números e símbolos de pontuação para a criança não apenas escrever palavras, mas também aproximar-se do aprendizado da feitura de livros, montando pequenos textos.

    Depois de tantas décadas, tem-se a impressão de que os jogos mudaram mais do que a educação. Em tempos de telas sensíveis ao toque e videogames hiper-realistas, o desafio do professor permanece: como fazer da diversão um aprendizado, do aprendizado uma diversão?